LUDICIDADE COMO INSTRUMENTO PEDAGÓGICO
Profª. Esp.
Anne Almeida
O lúdico tem sua origem na palavra
latina "ludus" que quer dizer "jogo".Se
se achasse confinado a sua origem, o termo lúdico
estaria se referindo apenas ao jogar, ao brincar, ao movimento
espontâneo.
A evolução semântica da palavra "lúdico",
entretanto, não parou apenas nas suas origens e acompanhou as pesquisas
de Psicomotricidade. O lúdico passou a ser reconhecido como traço
essencial de psicofisiologia do comportamento humano. De modo que a definição
deixou de ser o simples sinônimo de jogo. As implicações
da necessidade lúdica extrapolaram as demarcações do brincar
espontâneo.
Passando a necessidade básica da personalidade, do
corpo e da mente. O lúdico faz parte das atividades essenciais da dinâmica
humana. Caracterizando-se por ser espontâneo funcional e satisfatório.
Sendo funcional: ele não deve ser confundido com o
mero repetitivo, com a monotonia do comportamento cíclico, aparentemente
sem alvo ou objetivo. Nem desperdiça movimento: ele visa produzir o máximo,
com o mínimo de dispêndio de energia.
Segundo Luckesi são aquelas atividades que propiciam
uma experiência de plenitude, em que nos envolvemos por inteiro, estando
flexíveis e saudáveis. Para Santin, são ações
vividas e sentidas, não definíveis por palavras, mas compreendidas
pela fruição, povoadas pela fantasia, pela imaginação
e pelos sonhos que se articulam como teias urdidas com materiais simbólicos.
Assim elas não são encontradas nos prazeres estereotipados, no
que é dado pronto, pois, estes não possuem a marca da singularidade
do sujeito que as vivencia.
Na atividade lúdica, o que importa não é apenas
o produto da atividade, o que dela resulta, mas a própria ação,
o momento vivido. Possibilita a quem a vivencia, momentos de encontro consigo
e com o outro, momentos de fantasia e de realidade, de ressignificação
e percepção, momentos de autoconhecimento e conhecimento do outro,
de cuidar de si e olhar para o outro, momentos de vida.
Uma aula com características lúdicas não
precisa ter jogos ou brinquedos. O que traz ludicidade para a sala de aula é muito
mais uma "atitude" lúdica do educador e dos educandos. Assumir
essa postura implica sensibilidade, envolvimento, uma mudança interna,
e não apenas externa, implica não somente uma mudança cognitiva,
mas, principalmente, uma mudança afetiva. A ludicidade exige uma predisposição
interna, o que não se adquire apenas com a aquisição de
conceitos, de conhecimentos, embora estes sejam muito importantes. Uma fundamentação
teórica consistente dá o suporte necessário ao professor
para o entendimento dos porquês de seu trabalho. Trata-se de ir um pouco
mais longe ou, talvez melhor dizendo, um pouco mais fundo. Trata-se de formar
novas atitudes, daí a necessidade de que os professores estejam envolvidos
com o processo de formação de seus educandos. Isso não é tão
fácil, pois, implica romper com um modelo, com um padrão já instituído,
já internalizado.
A escola tradicional, centrada na transmissão de conteúdos,
não comporta um modelo lúdico. Por isso é tão freqüente
ouvirmos falas que apóiam e enaltecem a importância do lúdico
estar presente na sala de aula, e queixas dos futuros educadores, como também
daqueles que já se encontram exercendo o magistério, de que se
fala da importância da ludicidade, se discutem conceitos de ludicidade,
mas não se vivenciam atividades lúdicas. Fala-se, mas não
se faz. De fato não é tão simples uma transformação
mais radical pelas próprias experiências que o professor tem ao
longo de sua formação acadêmica.
Como bem observa Tânia Fortuna, em uma sala de aula
ludicamente inspirada,
convive-se com a aleatoriedade, com o imponderável; o professor renuncia à centralização, à onisciência
e ao controle onipotente e reconhece a importância de que o aluno tenha
uma postura ativa nas situações de ensino, sendo sujeito de sua
aprendizagem; a espontaneidade e a criatividade são constantemente estimuladas.
Podemos observar que essas atitudes, de um modo geral, não são,
de fato, estimuladas na escola. Para Jucimara: "as atividades lúdicas
permitem que o indivíduo vivencie sua inteireza e sua autonomia em um
tempo-espaço próprio, particular. Esse momento de inteireza e
encontro consigo gera possibilidades de autoconhecimento e de maior consciência
de si".
São lúdicas as atividades que propiciem a vivência
plena do aqui-agora, integrando a ação, o pensamento e o sentimento.
Tais atividades podem ser uma brincadeira, um jogo ou qualquer outra atividade
que possibilite instaurar um estado de inteireza: uma dinâmica de integração
grupal ou de sensibilização, um trabalho de recorte e colagem,
uma das muitas expressões dos jogos dramáticos, exercícios
de relaxamento e respiração, uma ciranda, movimentos expressivos,
atividades rítmicas, entre outras tantas possibilidades. Mais importante,
porém, do que o tipo de atividade é a forma como é orientada
e como é experienciada, e o porquê de estar sendo realizada.
Enquanto educadores damos ênfase às metodologias que se alicerçam
no "brincar", no facilitar as coisas do aprender através do
jogo, da brincadeira, da fantasia, do encantamento. A arte-magia do ensinar-aprender
(Rojas, 1998), permite que o outro construa por meio da alegria e do prazer
de querer fazer.
O jogo e a brincadeira estão presentes em todos as
fases da vida dos seres humanos, tornando especial a sua existência. De
alguma forma o lúdico se faz presente e acrescenta um ingrediente indispensável
no relacionamento entre as pessoas, possibilitando que a criatividade aflore.
Por meio da brincadeira a criança envolve-se no jogo
e sente a necessidade de partilhar com o outro. Ainda que em postura de adversário,
a parceria é um estabelecimento de relação. Esta relação
expõe as potencialidades dos participantes, afeta as emoções
e põe à prova as aptidões testando limites. Brincando e
jogando a criança terá oportunidade de desenvolver capacidades
indispensáveis a sua futura atuação profissional, tais como
atenção, afetividade, o hábito de permanecer concentrado
e outras habilidades perceptuais psicomotoras. Brincando a criança torna-se
operativa.
Observamos que quando existe representação de
uma determinada situação (especialmente se houver verbalizado)
a imaginação é desafiada pela busca de solução
para problemas criados pela vivência dos papéis assumidos. As situações
imaginárias estimulam a inteligência e desenvolvem a criatividade.
O ato de criar permite uma Pedagogia do Afeto na escola. Permite
um ato de amor, de afetividade cujo território é o dos sentimentos,
das paixões, das emoções, por onde transitam medos, sofrimentos,
interesses e alegrias. Uma relação educativa que pressupõem
o conhecimento de sentimentos próprios e alheios que requerem do educador
a disponibilidade corporal e o envolvimento afetivo, como também, cognitivo
de todo o processo de criatividade que envolve o sujeito-ser-criança.
A afetividade é estimulada por meio da vivência,
a qual o educador estabelece um vínculo de afeto com o educando. A
criança necessita de estabilidade emocional para se envolver com a aprendizagem.
O afeto pode ser uma maneira eficaz de se chegar perto do sujeito e a ludicidade,
em parceria, um caminho estimulador e enriquecedor para se atingir uma totalidade
no processo do aprender.
Percebemos em Machado (1966) o ressaltar do jogo como não
sendo qualquer tipo de interação, mas sim, uma atividade que tem
como traço fundamental os papéis sociais e as ações
destes derivadas em estreita ligação funcional com as motivações
e o aspecto propriamente técnico-operativo da atividade. Dessa forma destaca
o papel fundamental das relações humanas que envolvem os jogos
infantis.
Entender o papel do jogo nessa relação afetiva-emocional
e também de aprendizagem requer que percebamos estudos de caráter
psicológico, como mecanismos mais complexos, típicos do ser humano,
como a memória, a linguagem, a atenção, a percepção
e aprendizagem. Elegendo a aprendizagem como processo principal do desenvolvimento
humano enfocamos Vygotsky (1984) que afirma: a zona de desenvolvimento proximal é o
encontro do individual com o social, sendo a concepção de desenvolvimento
abordada não como processo interno da criança, mas como resultante
da sua inserção em atividades socialmente compartilhadas com outros.
Atividades interdisciplinares que permitem a troca e a parceria. Ser parceiro é sê-lo
por inteiro. Nesse sentido, o conhecimento é construído pelas relações
interpessoais e as trocas recíprocas que se estabelecem durante toda a
vida formativa do indivíduo.
Machado (1966) salienta, que a interação social
implica transformação e contatos com instrumentos físicos
e/ou simbólicos mediadores do processo de ação. Esta concepção
reconhece o papel do jogo para formação do sujeito, atribuindo-lhe
um espaço importante no desenvolvimento das estruturas psicológicas.
De acordo com Vygtsky (1984) é no brinquedo que a criança aprende
a agir numa esfera cognitiva. Segundo o autor a criança comporta-se de
forma mais avançada do que nas atividades da vida real, tanto pela vivência
de uma situação imaginária, quanto pela capacidade de subordinação às
regras.
A ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer
idade e não pode ser vista apenas como diversão. O desenvolvimento
do aspecto lúdico facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal,
social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para um
estado interior fértil, facilita os processos de socialização,
comunicação, expressão e construção do conhecimento.
A formação do sujeito não é um
quebra-cabeça com recortes definidos, depende da concepção
que cada profissional tem sobre a criança, homem, sociedade, educação,
escola, conteúdo, currículo. Neste contexto as peças do
quebra-cabeça se diferenciam, possibilitando diversos encaixes. Negrine(
1994) sugere três pilares que sustentariam uma boa formação
profissional, com a qual concordamos: a formação teórica,
a prática e a pessoal, que no nosso entendimento, a esta última
preferimos chamá-la de formação lúdica interdisciplinar.
Este tipo de formação é inexistente nos currículos
oficiais dos cursos de formação do educador, entretanto, algumas
experiências têm-nos mostrado sua validade e não são
poucos os educadores que têm afirmado ser a ludicidade a alavanca da educação
para o terceiro milênio.
A formação lúdica interdisciplinar se
assenta em propostas que valorizam a criatividade, o cultivo da sensibilidade,
a busca da afetividade, a nutrição da alma, proporcionando aos
futuros educadores vivências lúdicas, experiências corporais
que se utilizam da ação do pensamento e da linguagem, tendo no
jogo sua fonte dinamizadora.
Quanto mais o adulto vivenciar sua ludicidade, maior será a
chance deste profissional trabalhar com a criança de forma prazerosa,
enquanto atitude de abertura às práticas inovadoras. Tal formação
permite ao educador saber de suas possibilidades e limitações,
desbloquear resistências e ter uma visão clara sobre a importância
do jogo e do brinquedo para a vida da criança.
Percebemos com isso que se o professor tiver conhecimento
e prazer, mais probabilidade existirá de que os professores/aprendizes
se utilizem desse "modelo" na sua sala de aula. Nóvoa (1991)
afirma que o sucesso ou insucesso de certas experiências marcam a nossa
postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal com esta ou aquela maneira
de trabalhar na sala de aula.
Ao sentir que as vivências lúdicas podem resgatar
a sensibilidade, até então adormecida, ao perceber-se vivo e pulsante,
o professor/aprendiz faz brotar o inesperado, o novo e deixa cair por terra que
a lógica da racionalidade extingue o calor das paixões, que a matemática
substitui a arte e que o humano dá lugar ao técnico (Santin, 1990),
permitindo o construir alicerçado no afeto, no poder fazer, sentir e viver.
Poder vivenciar o processo do aprender colocando-se no lugar
da criança, permitindo que a criatividade e a imaginação
aflorem através da interdisciplinaridade enquanto atitude. A intersubjetividade
se mostre por meio do afeto e da alegria de poder liberar o que cada sujeito
(professor) trás consigo mesmo e quanto pode contribuir com o outro.
Segundo Snyders (1988) o despertar para o valor dos conteúdos
das temáticas trabalhadas é que fazem com que o sujeito aprendiz
tenha prazer em aprender. Conteúdos estes despertados pelo prazer de querer
saber e conhecer. Devemos despertá-los
para, com sabedoria, podermos exteriorizá-los na nossa vida diária.
A alegria, a fé, a paz, a beleza e o prazer das coisas estão dentro
de nós.
Por entender e concordar com o autor percebemos que se o professor
não aprende com prazer não poderá ensinar com prazer. É isso
que procuramos fazer em nossa prática pedagógica, dando ênfase à formação
lúdica: ensinar e sensibilizar o professor-aprendiz para que, através
de atividades dinâmicas e desafiadoras, despertem no sujeito-aprendiz o
gosto e a curiosidade pelo conhecimento. Curiosidade que segundo Freire (1997) é natural
e cabe ao educador torná-la epistemológica.
Tudo se decide no processo de reflexão que o professor
leva a cabo sobre sua própria ação (Nóvoa, 1995).
O homem da ciência e da técnica perdeu a felicidade
e a alegria de viver, perdeu a capacidade de brincar, perdeu a fertilidade da
fantasia e da imaginação guiadas pelo impulso lúdico (Santin,
1994).
Que a sala de aula seja um ambiente em que o autoritarismo
seja trocado pela livre expressão da atitude interdisciplinar (Fazenda,
1994).
Que as aulas sejam vivas e num ambiente de inter-relação
e convivência (Masseto, 1992).
A formação lúdica possibilita ao educador
conhecer-se como pessoa, saber de suas possibilidades, desbloquear resistências
e ter uma visão clara sobre a importância do jogo e do brinquedo
para a vida da criança, do jovem e do adulto (Santos, 1997; Kishimoto,
1999).
A afetividade como sustentáculo significativo e fundamental
de uma pedagogia que se alicerça na arte-magia interdisciplinar do ensinar-aprender
(Rojas, 1998).
Sala de aula é um lugar de brincar se o professor consegue
conciliar os objetivos pedagógicos com os desejos do aluno. Para isso é necessário
encontrar equilíbrio sempre móvel entre o cumprimento de suas funções
pedagógicas e contribuir para o desenvolvimento da subjetividade, para
a construção do ser humano autônomo e criativo. Credita ao
aluno, isto é, 'a sua ação, à parte de responsabilidade
no desenvolvimento. Mesmo procurando fazer sua parte, o professor e a escola
dão/respeitam a possibilidade de que outra coisa aconteça.
Como tão bem afirma Tânia Fortuna: Brincar na sala de aula é uma
aposta.
Referências Bibliográficas:
VYGOTSKY, L.S. (1993) Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
FORTUNA, Tânia Ramos. Formando professores na Universidade para brincar.
In: SANTOS, Santa Marli P.dos (org.). A ludicidade como ciência. Petrópolis:
Vozes, 2001, p.116.
FAZENDA, I. C. (1995) A Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa.
Campinas/SP, Papirus.
MORIN, E. (1999). Amor, Poesia e Sabedoria. Lisboa: Instituto Piaget.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Educação, ludicidade e prevenção
das neuroses futuras: uma proposta pedagógica a partir da Biossíntese.
In: LUCKESI, Cipriano Carlos (org.) Ludopedagogia - Ensaios 1: Educação
e Ludicidade. Salvador: Gepel, 2000.
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* Profª.
Esp. Anne Almeida
Licenciada em Educação
Física Pelas Faculdades Montenegro - Ibicaraí, Bahia;
Especialista
em Educação Física Escolar pela Universidade Salgado de
Oliveira
- RJ
Professora da Rede Estadual em Itabuna Bahia:
Colégios: Eraldo
Tinoco Melo e Colégio Modelo - Luis Eduardo Magalhães;
Docente
Das Faculdades Montenegro nos cursos de Educação Física
e
Pedagogia;