BRINCAR NA EDUCAÇÃO FÍSICA COM
QUALIDADE...DE VIDA!
Heraldo
Simões Ferreira*
INTRODUÇÃO
Este estudo visa responder questionamentos que fizemos
no decorrer de nossa vida como professor de educação física
escolar, mais precisamente na educação infantil. Constatamos durante
15 anos de experiência na educação infantil, tanto em escolas
particulares como em escolas da rede pública de ensino, que grande parte
dos objetivos de uma consecução de qualidade de vida (QV) entre
crianças escolares se dá através da atividade lúdica,
dos jogos e das brincadeiras (prática da educação física
infantil).
A revisão de literatura nos confirmou que existe
uma grande escassez de pesquisas envolvendo qualidade de vida na infância
(SABEH e VERDUGO, 2000), pois os títulos, quando encontrados, são
superficiais e não englobam a percepção de qualidade de
vida dentro do ponto de vista das próprias crianças. Segundo Verdugo
e Sabeh {2002}, citando Gerhaz (1997), isso se deve ao fato do estudo de qualidade
de vida com crianças ser muito mais complexo do que com adultos.
Em recente pesquisa realizada por Dantas et al. (2003),
observou-se que, de 53 estudos envolvendo dissertações de mestrado,
teses de doutorado e livre-docência de universidades públicas de
São Paulo envolvendo o tema qualidade de vida, somente um destes envolvia
crianças. Também foi afirmado que apenas dezesseis pesquisas investigaram
qualidade de vida com indivíduos saudáveis.
As pesquisas sobre qualidade de vida com adultos têm
progredido, porém os estudos com crianças ainda não. Prebianchi
(2003) cita que em uma revisão de literatura internacional, Schmitt e
Koot (2001) identificaram que dos 20.000 artigos sobre qualidade de vida publicados
nos anos de 1980 à 1994, apenas 3.050 reportavam-se à crianças.
Como foi afirmado por Prebianchi (2003: 59):
é um direito da criança ter padrões de qualidade de vida
adequados as suas necessidades físicas, mentais e de desenvolvimento social,
o respeito a esse direito é fundamental, pois contribui com o bem estar
do indivíduo na vida adulta. Quando os padrões de vida supracitados
são desrespeitados ou desconhecidos devem ser realizadas pesquisas que
se interessem pelas medidas da população infantil.
Mas, como podemos afirmar que, ao brincar
a criança pode estar contribuindo para a aquisição
de uma boa qualidade de vida? Para tal questionamento, devemos esclarecer
o que vem a ser qualidade de vida.
SAÚDE, EDUCAÇÃO FÍSICA
E QUALIDADE DE VIDA.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL,
1998,b: 36):
As relações que se estabelecem entre Saúde
e Educação Física são perceptíveis ao considerar-se
a similaridade de objetos de conhecimento envolvidos e relevantes em ambas às
abordagens. Dessa forma, a preocupação e a responsabilidade na
valorização de conhecimentos relativos à construção
da auto-estima e da identidade pessoal, ao cuidado do corpo, à consecução
de amplitudes gestuais, à valorização dos vínculos
afetivos e a negociação de atitudes e todas as implicações
relativas à saúde da coletividade, são compartilhadas e
constituem um campo de interação na atuação escolar.
Assim é correta a afirmação que
ambas as abordagens possuem objetivo comum: promover uma qualidade de vida favorável.
A Educação Física é um processo
de Educação em Saúde, seja por vias formais ou não
formais, pois ao promover uma educação efetiva para a saúde
e uma ocupação saudável do tempo livre de lazer, constitui-se
em um meio efetivo para a conquista de um estilo de vida ativo e em conseqüência
favorece a obtenção de qualidade de vida.
Segundo o Conselho Federal de Educação
Física (CONFEF, 2002), o profissional de Educação Física é um
especialista em atividades físicas, nas suas mais diversas manifestações,
tendo como propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento
da educação e da saúde, contribuindo para a capacitação
e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e condicionamento
fisiocorporal dos seus beneficiários, visando à consecução
do bem estar, da consciência, da expressão e estética do
movimento, da prevenção de doenças, de problemas posturais,
da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo ainda
para a consecução da autonomia, auto-estima, da solidariedade,
da integração, da cidadania, das relações pessoais,
da preservação do meio ambiente, visando enfim a consecução
da qualidade de vida.
Portanto a Educação Física deverá ser
conduzida como um caminho de desenvolvimento de estilos de vida ativos pelos
brasileiros, para que possa contribuir para a qualidade de vida da população.
Na educação infantil, a educação
física utiliza-se de jogos e brincadeiras como um poderoso instrumento
para auxiliar o desenvolvimento das crianças, seja no plano motor, afetivo
ou cognitivo com a finalidade de promover um estilo de vida ativo e saudável,
conduzindo a uma qualidade de vida satisfatória.
QUALIDADE DE VIDA.
A idéia que compartilhamos é a de que qualidade
de vida é um termo que representa uma forma de explicar subjetivamente
o que é viver bem, estar satisfeito ou feliz consigo mesmo e com o mundo
ao seu redor. O fator principal que a determina é sem sombra de dúvidas
o bem estar físico, mental e social.
Porém não é fácil conceituar
qualidade de vida, pois este termo ainda não foi estabelecido e também
não tem sido empregado corretamente (Silva, 1998, apud Silva et al, 2000).
Além disto, a definição de qualidade de vida não é aceita
universalmente, gerando discussões acerca desta temática.
Seidl e Zannon (2004: 581) citam Campbell (1976, apud Awad & Voruganti,
2000: 558), que na década de 70, explicitou as dificuldades de conceituar
o tema qualidade de vida: "qualidade de vida é uma vaga e etérea
entidade, algo sobre a qual muita gente fala, mas que ninguém necessariamente
sabe o que é". Esta citação feita há mais
de 34 anos nos demonstra às controvérsias sobre o conceito do
tema em questão.
Concordamos com Minayo e colaboradores (2000: 8), quando
atesta que qualidade de vida é:
uma noção eminentemente humana, que tem sido aproximada ao grau
de satisfação encontrada na vida familiar, amorosa, social e
na própria estética existência. Pressupõe a capacidade
de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada
sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar. O termo abrange
muitos significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores
de indivíduos e coletividades que a eles se reportam em variadas épocas,
espaços e histórias diferentes, sendo portanto uma construção
social com a marca da relatividade cultural.
Segundo o Grupo para Qualidade de Vida da
Organização Mundial da Saúde (WHOQOL, 1993), a
percepção do indivíduo sobre a sua posição
na vida, dentro do contexto sócio-cultural em que vive é condição
sine qua non para o alcance da qualidade de vida.
Assumpção e colaboradores (2000) citam
que Shin & Johnson (1978), afirmam que a qualidade de vida para ser atingida,
depende da satisfação de desejos individuais, auto-realização
e uma compensação satisfatória consigo mesmo e com os outros.
Ainda destacam Jenney & Campbel (1977), que criticam
a falta de definições no meio acadêmico e científico
para a qualidade de vida.
Os mesmos autores também utilizam as idéias
de Bradlyn et al. (1996) que define qualidade de vida como multidimensional,
não se resumindo ao aspecto social, físico e emocional, mas também
que estes aspectos sirvam de parâmetro às alterações
que ocorram durante o desenvolvimento. Também fazem referência a
Eiser (1997), que observa a grande diferença entre o que é qualidade
de vida "infantil" dentro da visão de um adulto e de uma criança.
Uma definição bem clássica é de
1974, onde Seidl e Zannon (2004: 582) mencionam Andrews (apud Bowling, p. 1448): "qualidade
de vida é a extensão em que prazer e satisfação têm
sido alcançados".
A QUALIDADE DE VIDA E O BRINCAR.
A respeito do assunto, MASLOW (1973), citado por APPLEY & COFER
(1976) hierarquiza as necessidades do homem, afirmando que a necessidade posterior
só é realizada quando a anterior estiver satisfeita. Os tipos de
necessidades citados pelo referido autor são por ordem de importância:
necessidades fisiológicas, de segurança, de afeição,
de auto-estima e de auto-realização.
Seguindo a idéia de MASLOW (1973), a criança
deve primeiramente satisfazer suas necessidades fisiológicas e de segurança,
pra a partir daí satisfazer suas necessidades relacionadas com a afetividade,
a estima e a realização de objetivos. Portanto, para as crianças,
após cumprirem suas necessidades fisiológicas básicas (respirar,
locomoção, alimentação, entre outras) e suas necessidades
de segurança (aqui é incluído a moradia), os outros fatores
de necessidades podem ser adquiridos através da brincadeira.
Através do ato de brincar a criança pode
satisfazer seus desejos, sejam de ordem afetiva, relacionada à estima
ou a realização de objetivos e finalidades. Durante a prática
lúdica, a criança exercita suas capacidades de relacionamento,
aprende a ganhar, a perder, opor-se, expressar suas vontades e desejos, negociar,
pedir, recusar, compreende que não é um ser único e que
precisa viver em grupo respeitando regras e opiniões contrárias;
enfim, adquire afeição. Brincando educa
sua sensibilidade para apreciar seus esforços e tentativas, o prazer que
atinge quando consegue finalizar uma tarefa (montar um quebra-cabeça ou
pegar o colega) faz com que se sinta realizada por atingir uma meta, levando-a
a auto-estima. A brincadeira desafia a criança e a leva a tingir níveis
de realização acima daquilo que ela pode conseguir normalmente.
Para reforçar este entendimento, AUSUBEL, NOVAK & HANESIAN
(1980, p. 217) colocam como fatores primordiais para uma boa qualidade de vida
os seguintes fatores (em ordem de aquisição):
Conservar a vida (subsistência);
Manter a segurança (conforto);
Conseguir o prazer (humor e diversão);
Experimentar mudanças e novidades;
Expandir o ego;
Sentir auto-respeito.
Mais uma vez observa-se que, a criança
somente após atingir as condições de subsistência
(necessidades fisiológicas) e de segurança, conseguirá partir
para os outros fatores; e, novamente através da brincadeira,
todos os outros itens podem ser atingidos, pois o prazer em brincar é indiscutível,
a experimentação do novo vem com os desafios envolvidos
nos jogos e brincadeiras infantis, a auto-estima e o auto-respeito
também são facilmente realizáveis através
do ato de brincar, pois como já foi citado, ao brincar a criança
descobre seus limites, atinge metas e se realiza.
A qualidade de vida pode ser conceituada como o grau
maior ou menor de satisfação das carências pessoais, observando
que a busca pela boa qualidade de vida consiste mais claramente em visar situações
prazerosas, e menos em evitar aborrecimentos ou vivências problemáticas,
e é isso o que a brincadeira reflete aos pequenos.
Sabeh e Verdugo (2002) em sua busca de encontrar um instrumento
de avaliação da percepção de qualidade de vida na
infância realizaram uma categorização para detectar dimensões,
baseado em modelos de qualidade de vida já construídos, especialmente
o de Schalock (1997). As categorias são:
1. Ócio e atividade recreativa: experiências de ócio,
recreativas e de tempo livre como jogos, esportes, atividade física,
televisão, vídeos, realizadas de forma individual ou
em grupo;
2. Rendimento: relacionado ao desempenho e aos resultados alcançados
em atividades escolares ou esportivas;
3. Relações inter-pessoais: interação positiva
ou negativa com e entre pessoas de seu meio. Aqui se inclui o vínculo
com animais;
4. Bem-estar físico e emocional: estado físico e saúde
da criança, de familiares e amigos;
5. Bem-estar coletivo e valores: situações sociais, econômicas,
políticas que a criança percebe de seu meio sócio-cultural,
assim como em relação à valores humanos;
6. Bem-estar material: consecução e relação com
objetos, e a característica física dos ambientes em que vivem.
Desta forma, a percepção infantil
sobre qualidade de vida requer muitos fatores. As crianças são
sujeitas à mudanças, sendo influenciadas por eventos
cotidianos e problemas crônicos. Para as crianças bem
estar pode significar o quanto seus desejos e esperanças estão
próximos do que acontece.
O contexto sócio-econômico, o grau de instrução
escolar, a participação dos pais, sua importância dentro
do seu grupo de amigos, suas potencialidades física e mental são
fatores que interferem claramente na definição de qualidade de
vida pelas próprias crianças. Outro fato muito importante é o
material, na infância os brinquedos e outros materiais lúdicos adquirem
um fator condicionante à felicidade e, por conseguinte, a consecução
da qualidade de vida.
Observamos que nas categorias acima expostas de Sabeh
e Verdugo (2002), o ócio e a atividade recreativa, é a dimensão
onde o brincar está incluso, sendo, portanto, um dos fatores para a aquisição
da boa qualidade de vida infantil.
Assim, brincadeira ultrapassa de muito o prazer sinestésico,
oferecido pela prática do movimento. Possibilita, de forma bastante eficaz,
as diversas necessidades individuais, multiplicando assim, as oportunidades de
se obter prazer e, conseqüentemente, otimizar a qualidade de vida.
CONCLUSÕES
Concluímos que o profissional de Educação
Física deve preencher as necessidades de afeto, auto-estima e auto-realização
das crianças num programa de atividades lúdicas, envolvendo aos
jogos e brincadeiras em seu planejamento, não como um apoio auxiliar,
mas como meta principal, pois a soma de prazer que uma criança obtém
durante as atividades lúdicas em que exercita o corpo e a mente através
da brincadeira, aprimorará sua qualidade de vida, potencializando o otimismo
e reduzindo o nível de stress a que freqüentemente está submetida,
independente de situações agradáveis ou desprazerosas enfrentadas
ao longo do seu cotidiano.
A bem das propostas defendidas neste trabalho, recomenda-se
também ao profissional de Educação Física que transcenda
a preocupação pelo excesso do tecnicismo nas aulas de educação
física infantil, que se despreocupe com a freqüência cardíaca
ou com o volume e a tonicidade muscular dos freqüentadores de atividades
corporais orientadas. Aconselha-se, ao contrário,
que ele aspire, sobretudo, a satisfazer as privações e as necessidades
sócio-psicológicas de seus discípulos: manter-se-á,
portanto, atento, (como lhe convém), ao grau de melhorias e renovações
positivas concernentes à qualidade de vida dos membros do grupo a que
atende.
Ref.
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*Educador Físico, Mestrando em Educação em Saúde,
UNIFOR (Fortaleza - Ceará)