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Dom, 2/6/13 13:05
O exercício físico
e os aspectos psicobiológicos
Autoria: Marco Túlio de Mello1,2,
Rita Aurélia
Boscolo2,
Andrea Maculano Esteves1,2 e
Sergio Tufik1,2,3
Data de Publicação: 02/06/2013
Rev Bras Med Esporte _ Vol. 11, Nº 3 – Mai/Jun, 2005
RESUMO
O objetivo desta revisão é trazer parte dos estudos
sobre um
assunto pouco explorado: a relação entre o exercício
físico e os
aspectos psicobiológicos. A importância da compreensão
desses
aspectos e como eles afetam a qualidade de vida do ser humano é
o que estimula as pesquisas sobre esse assunto. A literatura
destaca que a prática regular de exercício físico
traz resultados positivos não somente ao sono e aos seus
possíveis distúrbios, mas
também aos aspectos psicológicos e aos transtornos
de humor,
como a ansiedade e a depressão, e aos aspectos cognitivos,
como
a memória e a aprendizagem. Contudo, há indivíduos
que se envolvem na prática de exercícios físicos
com tal intensidade e/ou
freqüência ou, ainda, fazem uso de drogas ilícitas
que podem trazer prejuízos à saúde, como,
por exemplo, o dependente de exercício físico e
o usuário de esteróides anabolizantes. O exercício
físico provoca alterações fisiológicas,
bioquímicas e psicológicas,
portanto, pode ser considerado uma intervenção
não-medicamentosa para o tratamento de distúrbios
relacionados aos aspectos
psicobiológicos.
ABSTRACT
Physical exercise and the psychobiological aspects
The objective of this review is to address part of the studies
on
an issue not much explored: the relation between physical exercise
and the psychobiological aspects. The importance of understanding
these aspects and how they affect the quality of life of
the human being is what stimulates researches on this issue.
The
literature stresses the fact that the regular practice of physical
exercise produces positive results not only regarding sleep and
its
possible disorders, but also regarding the psychological aspects
and the mood disorders, such as anxiety and depression, and the
cognitive aspects, such as memory and learning. However, there
are individuals who engage in the practice of physical exercise
with
such intensity and/or frequency, or yet, who make use of illegal
drugs that can bring harmful effects to their health, as the
case of
physical exercise dependents and anabolic steroids users. Physical
exercises cause physiological, biochemical and psychological
alterations and, therefore, may be considered as a non-medication
intervention for the treatment of disorders associated to the
psychobiological aspects.
INTRODUÇÃO
Compreender a relação existente entre o exercício
físico e os
aspectos psicobiológicos tem sido tema central de alguns
estudos
e revisões. Foi a partir da década de 70 que se
iniciaram os primeiros trabalhos descritos na literatura, tendo
como modelo o exercí-
cio aeróbio e as suas repercussões sobre o humor
e a ansiedade(1)
.
Embora os resultados demonstrem importantes benefícios
do
exercício físico para as funções
cognitivas, os transtornos de humor e o sono, ainda hoje há uma
carência de pesquisas nesta área
de estudos, já que a influência de fatores como
a intensidade, a
duração e o tipo de exercício, ou ainda,
a combinação do exercício
aeróbio ao de força, a flexibilidade e a velocidade
sobre os aspectos psicobiológicos, necessitam ser avaliados.
Além disso, grande parte dos estudos realizados anteriormente
utilizou grupos heterogêneos, com recursos e equipamentos
escassos, fazendo-nos questionar os procedimentos metodológicos
empregados e disponíveis no momento da realização
destes estudos.
Diante disso, novas pesquisas vêm sendo desenvolvidas na
tentativa de relacionar os aspectos psicobiológicos com
o exercício
físico, podendo, desta forma, acarretar melhora da qualidade
de
vida e apresentar maior esclarecimento sobre a influência
do exercício físico no comportamento humano.
OS
RITMOS BIOLÓGICOS
E O EXERCÍCIO FÍSICO
Os ritmos diários, que controlam muitas das nossas funções
fisiológicas, assim como o desempenho, são conhecidos
como ritmos circadianos, ciclando em cerca de um dia ou de 24
horas.
Várias funções orgânicas exibem ritmicidade
circadiana, com valores máximos e mínimos ocorrendo
em horários diferentes ao longo do dia. Esses ritmos diários
são altamente influenciados pelo
exercício físico, como, por exemplo, as alterações
hormonais e o
ciclo sono-vigília(2)
.
O efeito do exercício realizado em diferentes horas do
dia pode
influenciar no aumento da temperatura corporal. No estudo realizado
com ciclistas, observou-se que a temperatura corporal e a
freqüência cardíaca continuam apresentando
significativa variação
circadiana, mesmo durante a execução do exercício
contínuo, com
uma amplitude mais elevada(3)
.
A temperatura corporal pode sofrer um atraso ou um avanço
de
fase, dependendo da hora em que o exercício é realizado.
Um pequeno atraso de fase foi demonstrado quando os exercícios
físicos foram realizados quatro horas antes e uma hora
depois da
temperatura mínima, mas quando os exercícios foram
realizados
entre três e oito horas depois da temperatura mínima,
um pequeno avanço de fase também pôde ser
observado. Os exercícios físicos realizados em
outros horários do dia não tiveram influência
alguma na resposta de fase da curva da temperatura corporal(4)
.
Assim, o exercício pode acelerar o deslocamento de fase
de
alguns marcadores biológicos, como a liberação
do hormônio melatonina, demonstrando assim uma relação
direta com marcadores relacionados ao ciclo sono-vigília(5)
.
Já o exercício físico noturno pode atrasar
a curva circadiana de
TSH e melatonina em humanos, sendo que o deslocamento de
fase pode ser determinado pela duração e pela intensidade
do exercício físico de forma compatível
com a variação individual, levandose em consideração
se a pessoa é ativa ou sedentária(6)
.
O
SONO E O EXERCÍCIO
FÍSICO
Cerca de 30% da população adulta nos EUA e de 20
a 40% da
população mundial são acometidos por problemas
relacionados ao
sono, piorando a qualidade de vida, aumentando o risco de acidentes
e diminuindo a produtividade no trabalho, entre outras conseqüências(1)
.
Embora a eficácia do exercício físico sobre
o sono tenha sido
demonstrada e aceita pela American Sleep Disorders Association
como uma intervenção não-farmacológica
para a melhoria do sono,
poucos profissionais da área de saúde têm
recomendado e prescrito o exercício físico com
este intuito(7)
.
Um recente levantamento epidemiológico realizado na cidade
de São Paulo demonstrou que entre 27,1 e 28,9% de pessoas
fisicamente ativas e 72,9 e 71,1% entre os sedentários
se queixavam de insônia e sonolência excessiva, respectivamente(8)
.
Mas por que o exercício físico pode promover a
melhora do padrão de sono? Alguns estudos realizados têm
procurado responder a esta questão apoiando-se inicialmente
em três hipóteses:
A primeira hipótese, conhecida como termorregulatória,
afirma
que o aumento da temperatura corporal, como conseqüência
do
exercício físico, facilitaria o disparo do início
do sono, graças à ativação dos mecanismos
de dissipação do calor e de indução
do
sono, processos estes controlados pelo hipotálamo(9,10)
.
A segunda hipótese, conhecida como conservação
de energia,
descreve que o aumento do gasto energético promovido pelo
exercício durante a vigília aumentaria a necessidade
de sono a fim de
alcançar um balanço energético positivo,
restabelecendo uma condição adequada para um novo
ciclo de vigília(9)
.
A terceira hipótese, restauradora ou compensatória,
da mesma
forma que a anterior, relata que a alta atividade catabólica
durante
a vigília reduz as reservas energéticas, aumentando
a necessidade
de sono, favorecendo a atividade anabólica(11)
.
Quanto às variáveis relacionadas ao exercício
físico, a intensidade e o volume são extremamente
importantes, pois quando a sobrecarga é aumentada até um
nível ideal, existe uma melhor resposta na qualidade do
sono. Por outro lado, quando a sobrecarga
imposta pelo exercício é demasiadamente alta, ocorre
uma influência negativa direta sobre a qualidade do sono.
Portanto, a análise
do comportamento do sono pode trazer informações
bastante úteis
na preparação do desportista(12)
.
Segundo O’Connor e Youngstedt(13), o sono de pessoas ativas é
melhor que o de pessoas inativas, com a hipótese de que
um sono
melhorado proporciona menos cansaço durante o dia seguinte
e
mais disposição para a prática de atividade
física. Vuori et al.
(14)
afirmam que o exercício físico melhora o sono da
população em
geral, principalmente de indivíduos sedentários.
O padrão do sono de ondas lentas (SOL) ou sono profundo
pode
ser alterado dependendo da intensidade e da duração
do exercício
e da temperatura corporal(15). Para Montgomery et al.
(16) há um aumento deste episódio de sono nos cinco
experimentos realizados
pelos autores, nos quais utilizaram variações do
tipo de exercício
físico quanto à intensidade, duração
e horário da prática dos exercícios.
Dessa maneira, acredita-se que o SOL, principalmente o estágio
4, é extremamente importante para a reparação
fisiológica e
de energia(17). A alteração positiva nesse estágio
de sono ocorre
em função do aumento do gasto energético provocado
pelo exercício durante a vigília alerta, o que propicia
um sono mais profundo
e restaurador fisicamente(9,15,17)
.
Além dessas alterações,
alguns estudos verificaram que o exercício pode aumentar a latência
de sono REM(Latência de sono REM é o intervalo de tempo entre o
início de sono e o primeiro período de sono REM(18).) e/ou diminuir
o tempo desse estágio de sono(15,19), o que retrataria
um índice
de estresse induzido pelo exercício. Em relação ao tempo
total de sono,
admite-se que exercícios agudos, em que não há adaptação à sua
duração, trazem aumento do episódio total de sono(20), assim
como
no exercício físico crônico, indivíduos treinados
apresentam maior tempo de sono em comparação com indivíduos
sedentários, mesmo sem treinarem(9,16), o que reforça a necessidade
de mais sono
para restabelecer a homeostase perturbada pelo exercício físico(9)
.
Assim verifica-se que o exercício físico e o sono de boa qualidade
são fundamentais para a boa qualidade de vida e para a recuperação
física e mental do ser humano.
OS TRANSTORNOS DE HUMOR E O EXERCÍCIO FÍSICO
Estudos realizados nos EUA afirmam que a prática sistemática
do exercício físico para a população em geral está associada à ausência
ou a poucos sintomas depressivos ou de ansiedade. Mesmo em indivíduos
diagnosticados clinicamente como depressivos, o exercício físico
tem se mostrado eficaz na redução dos sintomas
associados à depressão(21,22)
.
É
importante determinar como ocorre a redução dos transtornos de
humor, após o exercício (agudo ou após um programa de
treinamento), pois assim será possível explicar os seus efeitos
bem
como outros aspectos relacionados à prática desta atividade. A
compreensão da intensidade e da duração adequadas do exercício
para que sejam observados os efeitos em sintomas ansiosos e
depressivos é a chave para desvendar como o exercício físico
pode
atuar na redução desses sintomas, pois embora haja um consenso
de que esta prática reduz os transtornos de humor, não há um
consenso de como isso ocorre. O primeiro passo para entender
essa relação é compreender a etiologia dos transtornos.
Fatores
genéticos podem estar implicados na ocorrência, mas a gênese
dos transtornos está também implicada na função biológica,
comportamental e do meio(1)
. Em relação à ansiedade,
inúmeras teorias têm sido propostas
para explicar a sua gênese: teorias cognitivas comportamentais,
psicodinâmicas, sociogenéticas e neurobiológicas.
A única coisa
que se pode afirmar é que o efeito do exercício
físico na ansiedade
é multifatorial(1)
.
Em uma série de experimentos, Morgan(23)
determinou os estados de ansiedade pelos escores do Inventário do Estado-Traço
de
Ansiedade (STAI) antes e após exercício vigoroso.
Quando 15 homens adultos corriam por 15 minutos, a ansiedade
diminuía abaixo
da linha basal imediatamente após a corrida e permanecia
diminuída por 20 minutos. Seis homens com ansiedade neurótica
e seis
normais foram testados, antes e durante o teste completo, em
esteira ergométrica até à exaustão,
e os resultados demonstraram
uma redução nos escores de ansiedade.
Estudos, como o de O’Connor et al.
(24), demonstraram que as
respostas de ansiedade ao exercício máximo dependem
do nível
de ansiedade que o indivíduo possuía antes de começar
um programa de exercício, bem como do tempo de recuperação,
após
esse exercício, já que nos primeiros cinco minutos,
após o exercício, o nível de ansiedade é elevado
e só então
diminuído quando
se atingem 10-15 minutos que o exercício foi realizado.
A intensidade em que o exercício físico deve ser
realizado foi
estudada por Raglin e Wilson(25). Quinze adultos de ambos os
sexos realizaram 20 minutos em sessões de bicicleta ergométrica
em dias separados com intensidades que variaram entre 40, 60
e
70% de seu VO2pico. O estado de ansiedade era medido através
de
uma escala antes e depois de cada sessão de exercício.
Os resultados demonstraram que em intensidades próximas
de 40 e 60%
do VO2pico os níveis de ansiedade eram diminuídos,
após a realização dos exercícios, e quando o exercício era realizado
a 70% de
seu VO2pico havia um aumento no índice de estado ansioso
e só
após algumas horas do término do exercício é que
o nível voltava a
seu estado inicial ou até mesmo abaixo.
A eficácia do exercício físico associado
a sintomas depressivos
também tem sido relatada em relação a estados
depressivos causados por outras doenças. Coyle e Santiago(26)
realizaram um estudo em que o principal objetivo era o de avaliar
o efeito do exercício
na aptidão e na saúde psicológica de indivíduos
deficientes. Os
voluntários foram submetidos a exercício aeróbio
por 12 semanas.
Os resultados demonstraram que
o exercício aeróbio
melhora a
aptidão e diminui os sintomas depressivos nesta amostra. Esta
redução pode ser o resultado de mecanismos fisiológicos
e/ou
comportamentais associados com exercício aeróbio.
Um estudo conduzido por Lopes(27) observou os
efeitos de oito semanas de exercício físico aeróbio nos níveis
de serotonina e
depressão em mulheres entre 50 e 72 anos. Foi aplicado neste
estudo o Inventário Beck de depressão e foram realizadas
análises
laboratoriais para as dosagens dos níveis de serotonina.
Os resultados indicaram que houve redução do percentual
de gordura e
dos níveis plasmáticos de serotonina, sugerindo que
esta relação
entre exercício físico e a mobilização
de gordura proporciona às
participantes uma melhora nos estados de humor.
Os benefícios da prática de exercício físico
refletem o aumento
dos níveis de qualidade de vida das populações
que sofrem dos
transtornos do humor. No entanto,
tanto o exercício aeróbio
como
o anaeróbio devem privilegiar a relação no
aumento temporal da
execução do exercício físico e não
no aumento da carga de trabalho (relação volume x
intensidade).
A MEMÓRIA E O EXERCÍCIO FÍSICO
Na literatura, estudos relatam uma forte correlação
entre o aumento da capacidade aeróbia e a melhora nas funções
cognitivas(28-
30). No entanto, há controvérsias, pois outros estudos
não obtiveram resultados semelhantes(31,32). Esses dados
conflitantes geram
dúvidas sobre os reais efeitos do exercício físico
na função cognitiva.
Apesar das controvérsias,
estudos epidemiológicos confirmam
que pessoas moderadamente ativas têm menos risco de serem
acometidas por disfunções mentais do que pessoas
sedentárias,
demonstrando que a participação em programas de exercícios
físicos exerce benefícios, também, para funções
cognitivas(28,33,34)
.
Segundo McAuley e Rudolph(35), o exercício contribui para
a integridade cerebrovascular, o aumento no transporte de oxigênio
para o cérebro, a síntese e a degradação
de neurotransmissores,
bem como a diminuição da pressão arterial,
dos níveis de colesterol e dos triglicérides, a inibição
da agregação plaquetária, o aumento da capacidade
funcional e, conseqüentemente, a melhora
da qualidade de vida.
Algumas hipóteses buscam justificar a melhora da função
cognitiva em resposta ao exercício físico. São
elas: alterações hormonais (catecolaminas, ACTH e
vasopressina); na ß-endorfina; na liberação
de serotonina, ativação de receptores específicos
e
diminuição da viscosidade sanguínea(36)
.
O estudo de Williams e Lord(30) observou melhora no tempo de
reação, na força muscular, na amplitude da
memória e do humor e
nas medidas de bem-estar em um grupo de idosos (n = 94) que
participaram de um programa de exercícios com duração
de 12
meses em comparação com um grupo controle.
Um estudo verificou o desempenho de idosas em testes neuropsicológicos
antes e após um programa de condicionamento fí-
sico aeróbio com duração de seis meses. A
amostra foi constituí-
da por 40 mulheres saudáveis (60 a 70 anos), divididas em
grupo
controle (sedentárias) e grupo experimental. O grupo experimental
participou de um programa de condicionamento físico (caminhada
três vezes semanais por 60min.). Os resultados revelaram
que o grupo experimental melhorou significativamente na aten-
çã
o, memória, agilidade motora e humor. Os dados sugerem que
a
participação em um programa de condicionamento físico
aeróbio
sistematizado pode ser visto como uma alternativa não-medicamentosa
para a melhora cognitiva em idosas não demenciadas(33)
.
A DEPENDÊNCIA DO EXERCÍCIO FÍSICO
Paradoxalmente deve-se reconhecer a existência de alguns
indivíduos que se envolvem na prática de exercícios
físicos com tal
intensidade e/ou freqüência que podem trazer prejuízos à saúde,
como, por exemplo, os dependentes do exercício físico(37,38)
.
Embora os benefícios da prática regular do exercício
físico para
saúde sejam bem conhecidos, pouco se sabe a respeito dos
efeitos da prática excessiva de exercícios e da sua
relação com a gê-
nese de um comportamento patológico.
Dentre os principais estudos voltados para a prática excessiva
de exercícios físicos, destacam-se os relacionados
aos transtornos alimentares e os que sugerem ser o excesso de atividade
física uma forma específica de dependência
comportamental. As teorias para dependência de exercício
baseiam-se nas propriedades
reforçadoras positivas ou negativas da prática excessiva
de exercí-
cios, fazendo uma analogia com a dependência de substâncias
psicoativas. As propriedades de reforço positivo do exercício
estariam associadas à sua capacidade de aumentar os níveis
dos principais neurotransmissores envolvidos na vias neurais do
prazer
(endorfinas e dopamina). As propriedades de reforço negativo
estariam na sua capacidade de minimizar os estados negativos de
humor, reduzindo ou abolindo uma sensação de desconforto
físico
e/ou psíquico. Embora as teorias baseadas nas propriedades
de
reforço do exercício físico sejam empolgantes,
ainda não há evidências suficientes que as
confirmem. São necessários estudos
que utilizem instrumentos objetivos para medida de dependência
de exercício, com desenhos experimentais adequados, fundamentados
em teorias que considerem a dependência de exercício
dentro de um construto multidimensional.
O ÁLCOOL E
O EXERCÍCIO FÍSICO
A execução de um programa de
exercícios
deve, sempre que
possível, ser indicada para indivíduos que estejam
em recupera-
çã
o do abuso de álcool, uma vez que essa prática,
além de induzir
uma melhora generalizada do funcionamento do organismo, induz
também uma melhora das funções corporais
diretamente prejudicadas pelo uso crônico de álcool,
como o metabolismo hepático e
as funções cognitivas(39).
Embora seja difícil imaginar que o exercício regular
possa ser
utilizado no tratamento de doenças hepáticas decorrentes
do uso
crônico do álcool, é possível que
ele possa ter um papel importante na recuperação
do organismo. O exercício aumenta a atividade
das enzimas hepáticas envolvidas no metabolismo do álcool
e o
seu clearance sanguíneo. Ardies et al.
(40) verificaram que tanto o
exercício agudo como crônico aumentam a metabolização
do álcool.
Muitos estudos foram realizados sobre drogas que pudessem
antagonizar os efeitos da intoxicação aguda, seja
através do aumento da taxa de metabolismo do álcool
e de seus metabólitos
(principalmente o acetaldeído) ou do antagonismo/bloqueio
de suas
ações farmacológicas, especialmente no sistema
nervoso central.
No entanto, ainda não se conhecem substâncias com
adequada
eficiência na reversão deste quadro(41)
.
Ferreira(42) relata que a realização de um teste
de esforço progressivo em cicloergômetro até o
esforço máximo (± 15 minutos),
sob efeito de duas a cinco doses de álcool, prolongou
o tempo derecuperação da freqüência cardíaca
e produziu uma discreta redu-
çã
o da alcoolemia, pouco significativa clinicamente.
Em síntese, o álcool é capaz de alterar a
fisiologia de todo o
organismo, provocando assim um distúrbio da homeostase.
Quando associado à prática do exercício, por
mais que o álcool reduza a
ansiedade, a percepção de esforço e aumente
o prazer da atividade em execução, se observará um
aumento do desgaste corporal
durante a exercitação e também um prejuízo
na capacidade de recuperação do organismo após
o término da atividade em execu-
çã
o.
Dessa forma,
o treinamento da aptidão física melhora
a resistência geral do organismo e os exercícios de
força (musculação/
resistência) auxiliam na manutenção ou mesmo
ganho de massa
muscular, que pode estar reduzida em dependentes de álcool. É
importante salientar uma adequada avaliação médica
e funcional
antes do início da execução de um programa
de exercícios, principalmente no caso de dependentes de álcool,
uma vez que estes
estão mais sujeitos a problemas cardiovasculares do que
os não
dependentes.
OS ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E O EXERCÍCIO FÍSICO
Outro tópico que está sendo recentemente estudado é o
uso de
esteróides anabolizantes (EAs). A associação
entre os EAs e o treinamento físico é capaz de produzir
alterações na performance de
atletas, dando larga vantagem do ponto de vista da treinabilidade
e
podendo ser determinante no resultado final em uma competição(43)
.
Historicamente a partir da década de 60, o uso dessas drogas
passou a ser difundido no meio esportivo, quando entrou para a
lista de substâncias proibidas do Comitê Olímpico
Internacional
(COI). Em meados da década de 70, iniciaram-se os testes
antidopagens para os EAs. O caso mais famoso de um atleta flagrado
em um exame antidoping ocorreu nos Jogos Olímpicos de Seul,
em 1988, quando o corredor canadense Ben Johnson foi eliminado
da competição, perdendo a medalha de ouro que havia
conquistado(44)
.
Posteriormente, o uso de EA se difundiu. Deixou de ser exclusividade
do universo esportivo de alto rendimento e passou a ser
usado e abusado por praticantes de atividade física recreativa
e
freqüentadores de academias, interessados nos efeitos estéticos
que essas drogas, aliadas ao treinamento resistido, podem proporcionar(45,46)
.
Apesar de os EAs serem substâncias ilícitas e que
causam diversos efeitos colaterais, alguns atletas procuram utilizá-los
para
se beneficiarem durante as competições. Isso ocorre
porque quase que a totalidade dos tecidos do organismo possuem
receptores
para hormônios androgênicos. Um exemplo disso é que
os EAs
estimulam a síntese e a liberação de hemoglobina
(proteína carreadora de oxigênio), aumentando a oferta
de oxigênio nos tecidos, conseqüentemente melhorando
o rendimento desportivo(47)
.
Tamaki et al.
(48) mostraram, em estudo com animais de laboratório, que
os EAs diminuem o tempo de recuperação entre
as sessões de treinamento. Outros estudos mostram o aumento
do glicogênio muscular e da síntese de proteína
com conseqüente
aumento da massa magra(49)
.
Entretanto, o uso
abusivo dos EAs pode carretar o aparecimento de efeitos colaterais reversíveis e irreversíveis,
na maioria dos
sistemas do organismo (sistemas hepático, cardiovascular
e endócrino)(50). Dentre esses efeitos podem ocorrer danos
no tecido hepático, atrofia de testículos, hipertrofia
de clitóris
e, em alguns casos, podem chegar à hipertensão arterial
e à hipertrofia ventricular
esquerda. Outro efeito ocorre sobre a arquitetura do sono. Estudos,
em nosso laboratório, ainda em andamento, demonstram que
o uso de EAs resultam na diminuição da eficiência
do sono e no
aumento a latência de sono, trazendo prejuízos à qualidade
do sono.
O uso de EAs no meio esportivo atravessou décadas, fazendo
parte da política esportiva oficial de alguns países(43).
Porém os estudos sobre a extensão da participação
desse tipo de substância
sobre a performance dos atletas demoraram algum tempo a ser
comprovados. Pois os estudos controlados não observavam
alterações na potência, na força e na
secção transversa muscular, isso
porque as dosagens dos EAs administradas nesses estudos estão
bem abaixo das usadas pelos atletas(48)
.
CONCLUSÃO
Diante dos estudos descritos anteriormente, verifica-se que o
exercício físico sistematizado pode acarretar diversos
benefícios
tanto na esfera física quanto mental do ser humano, proporcionando
uma melhor qualidade de vida.
No entanto, administrado de maneira equivocada e sem embasamento
científico, pode alterar negativamente o nosso comportamento
(por exemplo, a dependência de exercício físico
e o uso de
esteróides anabolizantes), prejudicando o nosso desempenho
físico e cognitivo.
AGRADECIMENTOS
–
Cepe (Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício)
–
Cenesp/Unifesp (Centro de Excelência Esportiva da Unifesp)
–
Instituto do Sono/AFIP (Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia)
–
Capes
–
CNPq
–
Fapesp – Cepid/Sono
–
Unifesp
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Autores:
1. Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São
Paulo, Unifesp.
2. Centro de Estudos em Psicobiologia e Exercício, Universidade
Federal de São Paulo, Unifesp.
3. Presidente da Associação Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia,
AFIP.
Endereço para correspondência: Marco Túlio de Mello, Centro
de Estudos
em Psicobiologia e Exercício (CEPE), Unifesp, Rua Marselhesa, 535 – 04020-
060 – São Paulo, SP. E-mail: tmello@psicobio.epm.br
Original:http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1517-86922005000300010&script=sci_arttext
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