FUTEBOL
DIFICULDADES ENCONTRADAS NOS PEQUENOS
CLUBES DE FUTEBOL PROFISSIONAL
Prof. Ms. Fabio Aires da Cunha
Quando
vemos na televisão, nos
jornais ou em revistas o sucesso alcançado por
clubes como o Cruzeiro e o Santos, a idéia que
nos dá é que o futebol brasileiro possui
uma certa estrutura e organização, mas
a realidade é bem diferente.
Será abordado neste artigo o caso específico dos pequenos
clubes do Estado de São Paulo. São Paulo é o Estado que
possui a melhor estrutura futebolística do Brasil, mas está longe
de ser o paraíso que muitos acreditam. O mais grave é que se a
situação em São Paulo não é das melhores,
no restante do país é muito pior, chegando a ser calamitosa em
alguns lugares.
Voltando ao futebol paulista, a estrutura de seu futebol compreende
uma centena de clubes profissionais divididos, em 2004, em cinco divisões.
Enquanto observa-se de um modo geral nos clubes grandes e médios uma
situação relativamente satisfatória, com boa estrutura
e bons salários para os padrões sociais brasileiros, verifica-se
nos pequenos um quadro completamente oposto.
As dificuldades encontradas nessas equipes serão elucidadas
a seguir.
Recursos Financeiros
Os clubes sofrem com a falta de dinheiro. Apesar do custo operacional, se comparado
aos grandes clubes, não ser elevado, é muito difícil obter
um patrocinador fixo que possa sustentar essa despesa. A cada ano que começa é uma
nova batalha atraz de recursos e patrocinadores. Outro aspecto que contribui
para essa falta de recursos é a inexistência ou inadimplência
dos associados.
Elenco
A maioria dos clubes não consegue reunir um elenco que possa representar
de forma competitiva e eficiente as aspirações dessa entidade.
A cada ano que se inicia é necessário montar uma nova equipe,
pois os clubes não mantêm seus jogadores ou quando muito, mantêm
os jogadores da cidade. Muitos atletas ou não possuem uma boa capacidade
técnica ou são completamente inexperientes. Isso acarreta enormes
dificuldades ao treinador para montar uma equipe competitiva.
Material de Trabalho
O material utilizado para a realização do trabalho, que inclui
bolas, uniformes de treino, cones, chuteiras, estacas etc., são fatores
de fundamental importância na elaboração e realização
de um programa de treinamento em qualquer clube de qualquer divisão.
Bolas sem qualidade ou em quantidade inferior ao necessário; o mesmo
com os uniformes de treino, que em muitos casos são utilizados ano após
ano; falta de cones, estacas e cordas. É a realidade encontrada em muitos
desses clubes. Existem casos de treinos que precisam ser cancelados ou alterados
pela falta ou inexistência de alguns desses itens.
Acomodações
O alojamento é outro item que merece um destaque especial. Existem alojamentos
com baixas condições de higiene; chuveiros sem água quente;
iluminação inadequada; colchões velhos e estragados; inexistência
de locais para os atletas estudarem, lerem ou se reunirem e, falta de locais
para recreação, como sala de jogos.
Verificam-se casos de atletas que apresentam dores nas costas por dormirem
em colchões estragados, ficam doentes por dormirem em locais úmidos
e frios etc.
Alimentação
De fundamental importância para o desenvolvimento de um atleta profissional,
a alimentação normalmente não é adequada e assustaria
qualquer nutricionista da área esportiva. A variação dos
alimentos, como frutas e verduras, normalmente não acontece. O preparo
dos alimentos também não é da maneira mais indicada. É muito
comum serem alimentos gordurosos e com muita fritura. Normalmente, os empregados
responsáveis pelo preparo dos alimentos não estão preparados
tecnicamente para fazer a alimentação de um atleta.
As condições de higiene da cozinha também estão
longe das ideais. Se a vigilância sanitária fizesse uma fiscalização,
a grande maioria delas seria fechada.
A alimentação desses atletas não é satisfatória
em quantidade, mas principalmente em qualidade. Falando em qualidade é quase
inexistente o uso de suplementos como vitaminas, aminoácidos etc.
Viagens
Com as longas distâncias existentes dentro do Estado de São Paulo,
muitas equipes precisam viajar mais de dez horas para realizar uma partida.
Em alguns casos as equipes chegam ao local do jogo, no dia da realização
do mesmo, isso após viajarem cinco, seis horas. Os atletas dormem e
descansam dentro do ônibus. O rendimento certamente será afetado.
Muitos desses ônibus não possuem a mínima condição
para realizar esse tipo de viagem. São ônibus velhos e desconfortáveis.
Uma curiosidade é que o ônibus quebrar durante o trajeto é uma
situação comum enfrentada por essas equipes.
Instalações, Locais de Treinamento
e Estádios
A prática mais comum é treinar no próprio estádio.
Como foi elucidado anteriormente, os clubes não possuem recursos para
alugar campos para treinar e muito menos possuem um centro de treinamento próprio.
Observam-se também campos de treinamento e jogo sem as mínimas
condições, com gramados irregulares e esburacados; vestiários
sem condições de higiene e espaço.
Os estádios são outros locais que não atendem as exigências
do Estatuto do Torcedor. Não existem locais numerados; sinalizações
adequadas; sanitários limpos e em funcionamento; conforto mínimo;
segurança etc.
Salários
Esse é um aspecto que beira ao ridículo quando se trata de uma
profissão, um esporte profissional e o maior esporte no Brasil. A falta
de pagamento de salários ou benefícios é uma prática
comum, isso porque os salários são baixos, próximos ao
salário mínimo nacional. Muitos profissionais não são
registrados ou o são com um valor irrisório.
A desculpa de que o clube não tem dinheiro para pagar altos salários,
como acontece nos grandes clubes, não pode ser aceita, pois como já foi
dito os salários são baixos.
Em parte, o problema dos baixos salários é culpa dos próprios
profissionais que acabam aceitando qualquer proposta só para ter a oportunidade
de trabalhar em um clube profissional. Com isso, não valorizam seu trabalho
e muito menos sua profissão.
Recursos Humanos
Enquanto os grandes clubes têm treinador; preparador físico; auxiliares;
médico; roupeiro (mordomo); enfermeiro (massagista); fisiologista; fisioterapeuta;
assistente social e psicólogo, os pequenos possuem em muitos casos o
mínimo, um treinador, um preparador físico, um enfermeiro, um
roupeiro e só. Isso quando alguns poucos não assumem várias
funções. Mais uma vez a desculpa é a situação
financeira.
Outro problema é a falta de capacitação dos profissionais.
Com baixos salários e falta de condições de trabalho,
os profissionais que atuam nesses clubes, em muitos casos, não possuem
capacitação adequada para o cargo que exercem e a responsabilidade
que o mesmo exige.
Observam-se treinadores que não conduzem treinos adequadamente ou são
verdadeiros ditadores com métodos de treinamento completamente ultrapassados;
preparadores físicos que não evoluíram com os métodos
científicos mais modernos e também utilizam métodos de
treinamento defasados, isso sem falar de enfermeiros e roupeiros, normalmente
indivíduos da própria cidade que precisam trabalhar, mas não
possuem conhecimento para a função que exercem.
Os dirigentes deveriam buscar contratar profissionais realmente capacitados
para as funções necessárias. Verificar a experiência
e o conhecimento desse profissional, assim como é feito em qualquer
empresa quando precisa contratar um novo profissional.
Dirigentes
Assim como em alguns grandes clubes, nos pequenos também vemos casos
de dirigentes praticamente vitalícios e sem capacitação.
Existem dirigentes que não conhecem a realidade do futebol no século
XXI e não se preocupam nem um pouco com a situação dos
membros da comissão técnica e dos atletas.
A inexistência de dirigentes profissionais é outro fator que influencia
negativamente na administração dos clubes. Os clubes são
administrados de forma ultrapassada e amadora. A falta de um trabalho de marketing
e de divulgação é um aspecto que atrapalha na obtenção
de patrocínios, mas muitos desses dirigentes chegam a desconhecer o
significado da palavra marketing.
Política
Assim como em todas as áreas no nosso país, os pequenos clubes
de futebol também são influenciados pela política local.
A escolha de dirigentes, de patrocinadores e até de participação
em alguns torneios, podem sofrer influência de interesses políticos.
Categorias de Base
Quando aqui se fala em categoria de base, refere-se a escolinha, infantil (sub-15)
e juvenil (sub-17), pois o juniores (sub-20) além de ser uma categoria
quase profissional, todos os clubes do Estado de São Paulo são
obrigados a disputar o Campeonato Paulista dessa categoria.
Com a falta de recursos financeiros, os clubes praticamente não investem
na base e a grande maioria nem possui equipes dessas categorias. O pior é que
os clubes não enxergam que uma das soluções para os problemas
financeiros é justamente investir nos garotos. Já que não
possuem dinheiro para contratar bons jogadores, a solução seria
formá-los dentro de casa.
O que se vê são jogadores com idade de juniores que não
possuem experiência, pois quando eram infantis e juvenis não disputaram
torneios competitivos.
Novamente, volta-se a desculpa da falta de recursos. Enfatizo que um trabalho
de marketing eficiente e direcionado poderia angariar recursos locais para
esse trabalho, até porque é um trabalho de baixo custo operacional.
Educação
Não existe um projeto para a educação dos atletas. Muitos
abandonam a escola por preguiça ou por acharem que não podem
estudar e ser atleta ao mesmo tempo. Existe um total despreparo e desinteresse
por parte dos dirigentes com relação à educação
de garotos e adultos.
O lado social dos atletas também é deixado de lado. Muitos atletas
apresentam problemas de conduta e convívio em grupo, chegando a ocorrer
casos de furto e homossexualismo. O mais grave é que os clubes não
demonstram interesse em ajudar a solucionar ou minimizar esses problemas.
Muitos garotos ao assistir a televisão e ver o sucesso
alcançado no exterior por jogadores como Ronaldo, Kaká, Cafu, Roberto
Carlos, Ronaldinho Gaúcho, Dida e outros, acabam se iludindo e não
sabem a grande dificuldade que existe no início de carreira, principalmente
em um clube pequeno. Esses garotos abandonam a escola pela chance de vencer no
futebol, mas apenas uma minoria atinge o sucesso, a maioria infelizmente não
consegue. Muitos acabam em subempregos e até na marginalidade, pois não
se prepararam ou não foram devidamente orientados para buscar alternativas
fora do futebol.
Acredito que a verdadeira profissionalização
dos pequenos clubes somente ocorrerá com a mobilização conjunta
dos Conselhos Regionais de Educação Física; prefeitos; empresários
locais; dirigentes profissionais, capacitados e honestos; membros da comissão
técnica com capacitação, conhecimento, devidamente preparados
e credenciados em seus conselhos profissionais.
Quero salientar que essa situação é encontrada
na maioria dos clubes, mas não em todos. Existem pequenos clubes que possuem
uma boa estrutura, dirigentes e profissionais capacitados. A situação é que
muitas equipes, infelizmente, estão falidas e sem uma liderança
forte e competente. Encontram-se também clubes que alternam anos de total
despreparo e falta de condições, com anos de boas condições
e bom trabalho.
O futebol é uma paixão de nosso povo. Os clubes
e seus dirigentes deveriam respeitar o cidadão que torce por uma bandeira
ou distintivo e, principalmente, respeitar aqueles que procuram honestamente
vencer por meio do futebol, inclui-se treinadores, preparadores físicos,
atletas e demais profissionais.
Janeiro/2004