FUTEBOL
CURIOSIDADES DO FUTEBOL BRASILEIRO
Prof. Ms. Fabio Aires da Cunha
O futebol brasileiro é recheado
de histórias no mínimo intrigantes, muitas
delas fazem parte do nosso folclore e tornam o futebol
cada vez mais apaixonante ao torcedor.
Numa tarde chuvosa em São Paulo, quando entravam no
gramado do Velódromo para restabelecer seu treino, interrompido pela chuva,
os rapazes do Paulistano, despejaram-se das arquibancadas para o campo, aos berros
de "allez-gohack", palavras atiradas ao ar por Olavo de Barros e Renato,
de jubilo pela estiagem que fizera. Repetido depois, a qualquer pretexto pela
turma do Paulistano, aquele estrangeirismo que significava "para frente,
avante" acabou abrasileirando-se no "alê-guá-guá-guá hurrah",
que se transformou no hino do Paulistano. Nascia ali, o primeiro hino futebolístico,
e atraz dele, por espírito de imitação, vieram os outros,
o do Mackenzie, por exemplo: - "back, tetéque: black, tetéque, éque, éque" etc.
A primeira partida de futebol artificialmente iluminada do
mundo aconteceu aqui no Brasil, mais precisamente em São Paulo, numa festiva
noite de São João, no ano de 1923. O jogo fora disputado entre
uma equipe de funcionários da Light e a Associação Atlética
República, sob a luz de 20 refletores e 10 projetores, num campo situado
em um terreno da Companhia São Paulo Light, na rua do Glicério.
O resultado da partida se perdeu nos anais da história. Por sorte o registro
não se perdeu, pois no dia seguinte realizava-se uma partida noturna em
Lynn, nos Estados Unidos.
No dia 31 de março de 1928, foi realizado em São
Januário, o primeiro jogo oficial artificialmente iluminado. O Vasco da
Gama venceu o Wanders (Uruguai), por 1 a 0.
Em 1925, o Club Athlético Paulistano (extinta equipe
da capital paulista) realizou uma excursão à Europa, uma das primeiras
realizadas por equipes brasileiras, sendo que seu saldo foi tão positivo
que os jornais franceses denominaram os brasileiros, Os Reis do Futebol. Em aproximadamente
um mês e meio, o Paulistano realizou dez partidas na França, Suíça
e Portugal, obtendo um resultado de nove vitórias e apenas uma derrota.
A façanha dos brasileiros merece destaque maior, pois enfrentaram verdadeiras
seleções, árbitros contrários e, campos, se assim
os podemos chamar, em péssimo estado, além de uma longa viagem
de navio e estafantes viagens de trem.
No início dos anos 30, disputavam-se algumas partidas
noturnas, e a bola utilizada era marrom. Pois bem, o São Paulo iria jogar
contra o Vasco da Gama e o "seu" Joaquim - Joaquim Simão Gomes
- perguntou ao diretor esportivo Mário Cunha Bueno se poderia pintar a
bola de branco. Autorizado, ele comprou uma tinta chamada Duco Alemão
e mandou ver. Estava criada a primeira bola branca do mundo. Foi um sucesso que
se espalhou rapidamente. Só que "seu" Joaquim não patenteou
o invento, aí...
Diamante Negro virou marca de chocolate em homenagem a um
apelido de uma grande estrela do futebol brasileiro, Leônidas da Silva.
Apelido este dado pêlos franceses durante a Copa do Mundo de 1938, na qual
foi o artilheiro. Ele não era estreante, havia jogado a Copa de 1934,
na Itália. Já amadurecido, o Diamante Negro, encantou os torcedores
europeus.
... Na noite de 16 de julho de 50, o velho capitão
não quis comemorar com o resto do time. Convidou o massagista da Celeste
a sair com ele. Os dois deixaram o hotel sem destino certo. O Rio era um vasto
cemitério. Nem alma do outro mundo se via pelas ruas da cidade.
Obdulio e o massagista entram num bar da Avenida Copacabana.
O dono do bar é um velho conhecido de outras passagens da seleção
uruguaia pelo Brasil. Obdulio, que já saíra do hotel um tanto calibrado,
quer tomar chope. Está sem um tostão no bolso. Pergunta se tem
crédito. O próprio dono traz duas canecas, espumando. Obdulio,
ainda em pé, bebe de um só fôlego a primeira caneca.
Já sentado, Obdulio vê entrar no salão um rapaz. Um rapaz
que é a própria máscara da desolação. Nas
raras mesas ocupadas, as pessoas ouvem, desconsoladas as lamúrias do
moço. Ressoa pela sala a tristeza cósmica do povo brasileiro.
- O Obdulio derrotou o Brasil - dizia, em prantos, o torcedor.
O desabafo bateu de mal jeito no coração de Obdulio Varela. De
repente, ele se sente o carrasco de um povo. O próprio Obdulio narra,
na primeira pessoa, o drama que passaria a viver naquela noite sombria do futebol
brasileiro.
"Eu olhava aquele rapaz sofrido. Foi me dando um mal-estar. O povo desse
país tinha preparado o maior carnaval do mundo e nós arruinamos
tudo. De repente, eu estava tão amargurado quanto ele. Teria sido bonito
ver uma noite de carnaval dos brasileiros. Teria sido emocionante ver a multidão
delirando com uma coisa tão simples, tão singela. Nós tínhamos
estragado a festa e, a bem da verdade, não tínhamos ganhado nada.
Conquistamos um título, muito bem. Mas, que seria isso comparado com a
tristeza imensa de uma gente tão simpática? Pensei no Uruguai.
Certamente, o povo lá estaria muito feliz. Mas, eu, Obdulio, eu estava
no Rio, no meio de uma profunda decepção nacional. Me lembrei da
raiva que tive quando os brasileiros nos fizeram o gol. E, no entanto, a bronca
que dei no campo iria doer em mim também".
O dono do bar foi à mesa do campeão, levando pelo braço
o rapaz, ainda choroso.
- Sabe quem é este? Este é o Obdulio Varela. - E apresentou um
ao outro.
- Tive a súbita sensação de que aquele rapaz podia me
matar - confessa Obdulio - e, se me matasse, talvez merecesse absolvição.
- Por favor, Obdulio - disse, reverente, o rapaz -, você quer tomar um
chope comigo?
Obdulio aceitou. Mudou de mesa. "Se tiver de morrer aqui, não pode
existir noite mais apropriada", pensou.
À noite do triunfo, Obdulio Varela passou-a, inteirinha, esvaziando canecas
e consolando aquela alma penada que acabara de conhecer. Um pobre coração
destroçado. E a quem, lá pelas tantas da madrugada, talvez tivesse
confessado, como confessaria, mais tarde, ao escritor Oswaldo Soriano:
- Se tivesse de jogar, de novo, aquela final do Maracanã, não
se assombre com o que eu vou lhe dizer: eu faria um gol contra. Um gol contra,
sim senhor!...
(Nogueira, Armando - A triste noite de um campeão)
Num célebre jogo no final dos anos 50, em que o São
Paulo venceu o Santos por 6 a 2, Mestre Ziza pôde testar a habilidade de
Canhoteiro - que já era chamado A Força Branca. Exausto por recente
excursão à Europa, entregou a bola a Canhoteiro e recomendou: "Vê se
ganha algum tempo para a gente". Do campo do São Paulo, o ponta foi
driblando até a área do Santos e voltou: "Toma a bola de volta,
Mestre".
Um grande artilheiro pode ser também um goleiro de
primeira. Afinal, sempre existiu um fascínio entre o algoz e a vítima.
Pelé, um dos maiores goleadores que o mundo já conheceu, jamais
escondeu isso de ninguém. Aliás, sempre gostou de jogar no gol,
mostrando um talento natural para a posição. Mas se Pelé não
fosse a própria camisa 10, na certa teria sido goleiro. Nos recreativos
do Santos, ele costumava brincar na posição e no Ébano,
time de praia que reunia jogadores negros, era titular absoluto da camisa nº 1.
Uma vez, o grande público teve oportunidade de apreciar suas outras habilidades.
Foi no início dos anos 60, no Pacaembu, em São Paulo. O Santos
jogava contra o Grêmio e o goleiro Laércio foi expulso. Pelé não
pensou duas vezes, vestiu a camisa preta de mangas compridas e foi para debaixo
dos "três paus". Fechou o gol. Não deixou passar mais
nada. O jogo terminou com a vitória do Santos por 4 a 3. A única
apresentação oficial do autor dos mais belos gols na moldura de
suas obras.
Na caótica Seleção Brasileira de 1966,
muitos fatos foram realmente inusitados (como a formação de quatro
equipes, por exemplo), mas um deles serve para demonstrar bem o que aconteceu
naquele tempo: na lista de jogadores convocados saiu o nome de Ditão,
do Flamengo, que se apresentou, é lógico. Só que o convocado
pelo técnico Vicente Feola era na realidade Ditão do Corinthians.
A CBD (Confederação Brasileira de Desportos) não quis assumir
o erro cometido - dentre muitos - e por esses caprichos tão comuns ao
nosso futebol, ficou o Ditão do Flamengo mesmo. Que, por fim, foi cortado.
No dia 22 de junho de 1996, o Estado de Roraima, que possui
o campeonato estadual mais novo do país, presenciou um fato jamais ocorrido
no futebol brasileiro. A partida pelo estadual, entre o Rio Negro e o Progresso,
teve a incrível marca de um pagante, o autor de tal façanha, foi
o motorista do Ministério de Agricultura de Boa Vista, Abraão Pereira
de Souza. A renda da partida também atingiu a incrível marca de
R$ 5,00 (cinco reais), sendo que cada clube ficou com a não menos incrível
quantia de R$1,00 (um real). Um mês antes, em outra partida entre as mesmas
equipes, o público pagante foi de quatro pessoas, com renda de R$ 20,00
(vinte reais).
Considerado o detentor do melhor futebol do mundo, o Brasil,
teve por muitos anos, o pior time do mundo - o Íbis Sport Club. Fundado
em 15 de novembro de 1938, o Íbis surgiu na iniciativa de Onildo Ramos,
gerente da Tecelagem Seda e Algodão de Pernambuco, a T.S.A.P., em realizar
o sonho dos operários da fábrica: ter um time de futebol para disputar
o Campeonato Pernambucano de profissionais. A ave sagrada do Egito antigo, protetora
da cultura da seda e presente na marcada da empresa, foi escolhida para o nome
e distintivo.
Nos primeiros anos a equipe não era tão ruim,
chegando até mesmo a ser campeã pernambucana em 1946. O Íbis
começou a ser tachado de o pior time do mundo a partir da década
de 80, quando ficou três anos seguidos sem ganhar um único jogo
e sofreu uma série de goleadas históricas, entre elas, 11 a 0 para
o Santa Cruz. No campeonato de 81, por exemplo, números impressionantes:
18 derrotas em 18 jogos, sofrendo 89 gols e marcando apenas quatro. No campeonato
seguinte, disputou 11 partidas, perdeu dez e empatou uma. Fez seis gols e sofreu
46. Com esse curriculum, o Íbis, teve por muito tempo orgulho de ser taxado
de o pior time do mundo. Mas a história começou a mudar, a partir
do ano 2000, o time ascendeu a primeira divisão de Pernambuco e agora
não quer mais o "honroso" título.
Referências Bibliográficas:
DUARTE, M. O Guia dos Curiosos. São Paulo: Cia das Letras, 1996. p.164-178.
NOGUEIRA, A. A triste noite de um campeão. O Estado de São Paulo.
São Paulo, 18 de agosto de 1996. Esportes, p.2.
PATUSCA, A. Os Reis do Futebol. São Paulo: Bentivegna, 1976.
REVISTA PLACAR. São Paulo: Abril.
SUPLEMENTO ESPECIAL DE ISTO É. Espanha 82 - O Brasil e as Copas do Mundo.
São Paulo: Caminho Editorial, 1982.