DANÇA
DANÇA E CORPOREIDADE
Pauta a história da Educação
Brasileira, por uma negação do corpo através
de adestramento e disciplinamento, fundamentada numa
visão
cartesiana mecanicista do conhecimento onde corpo/mente são
vistas como duas entidades distintas. Essa visão cartesiana
teve um efeito profundo sobre o pensamento ocidental, éramos
pontos isolados dentro de nossos corpos e o trabalho mental era
muito mais valorizado que o manual.
No cartesianismo o homem existia porque pensava, hoje, sabemos
que ele existe pelo simples ato de estar aqui.
Essa visão fragmentária de corpo/mente nos leva a aspectos negativos
na educação e conseqüentemente na nossa sociedade. Os alunos,
não podem ser considerados simplesmente como mente e seu corpo ser secundarizado
em benefício dela, e é óbvio, que não devemos secundarizar
a mente em benefício do corpo. Mente e corpo não podem ser instrumento
a ser manejados. Precisamos fazer com que nossos alunos deixem de ser corpo-objeto
e tornem-se corpo sujeito, um corpo vivido.
A falta de uma reflexão mais profunda dos processos
educacionais vigentes, a falta de paradigmas das ciências em geral e especialmente
educacional, leva-nos a considerar o aluno como um espectador, um corpo-objeto,
no processo de aprendizagem e com isto, uma falta de preocupação
com sua auto-organização, com suas formas de vivência e interação
com o meio, enfim, um ser UNO constituído de corpo, mente, emoções...
Para rompermos definitivamente com o dualismo corpo/mente e "navegarmos" em
busca desse ser UNO, necessitamos tornarmos "marinheiros" da corporeidade
para encontrarmos o caminho da completa integração.
Hoje se teoriza muito corporeidade, falar em corporeidade parece
simples. O termo corporeidade entrou facilmente em nossa linguagem como se sua
simbologia fosse de fácil interpretação e nos levasse a
um único pensamento. No dicionário, corporeidade indica a essência
ou a natureza dos corpos, um estado corporal. Os manuais nos fornecem o domínio
científico e a etimologia nos diz que corporeidade é o derivado
do corpo, é o organismo humano oposto à alma. A
corporeidade enfim, é relativo a tudo que preencha espaço e se
movimente, e que ao mesmo tempo, situe o homem como um ser no mundo.
Nunca ouvimos falar tanto em corpo como se fala hoje, novas
ideologias de corpo, a sociedade investindo no corpo, a TV, a mídia, a
igreja, a moda, enfim, uma infinidade de investidores buscando lucro através
do corpo. Corporeidade entrou na moda, porém , a maioria das pessoas não
têm compreensão do próprio corpo e muito menos do que a sociedade
está fazendo com ele.
Paulo Freire dizia que se corpo e espírito não
andassem tão separados os homens seriam mais sensíveis, mais inteligentes.
Podemos observar em nossa sociedade várias ações
de domesticação do corpo. Corpos sendo manipulados, manejados em
função de lucratividade. Quando observamos um desfile de modas
por exemplo, será que há necessidade desses corpos estarem lá realmente?
Um robô desempenharia muito bem esse papel. Fazem dos corpos na passarela
um robô e todos batem palma. Um dia, estes estarão fazendo esse
trabalho e os corpos serão facilmente dispensados.
O próprio capitalismo é uma massificação
de corpos, corpos dóceis desempenhando suas funções num
ritmo padronizado e acentuado sem se darem conta que estão se deteriorando.
São corpos úteis a determinadas funções no cumprimento
de ordens e ainda muitos se acham importantes nas funções que ocupam.
Corpos sem significado, rotulados para desempenhar determinadas funções
e submetidos aos mecanismos das estruturas do poder.
Não precisamos ir muito além, a escola. Esta,
mostra um disciplinamento e um controle do corpo, das idéias, dos sentimentos,
uma total anulação. Um disciplinamento que atua no corpo com intenção
de transformá-lo num corpo dócil, num corpo preparado para se atingir
melhores resultados, onde o aluno não precisa nem deve questionar, simplesmente
executar e assimilar.
Nesse contexto descrito acima, a disciplina é fundamental,
porém, os professores se esquecem que um disciplinamento exagerado fabrica
corpos submissos, corpos sem pensamento, alunos sem poder de decisão,
sem autocontrole e sem autoconfiança.
Um outro ponto para justificar essas considerações é a
distribuição das carteiras em sala de aula, as atitudes dos alunos
em relação as normas administrativas (metodologia do professor,
regulamento escolar, os conteúdos e os livros didáticos), onde
podemos observar claramente, que a escola tem como objetivo eliminar do corpo
do aluno os movimentos involuntários, a espontaneidade e a criatividade,
dando lugar somente as ações voluntárias e ao pensamento
dirigido.
Sem falarmos no processo de aprendizagem, este daria um livro
só para ele. Na maioria das vezes uma aprendizagem sem corpo, onde os
alunos devem entrar para classe somente com as mão e a cabeça.
O corpo não há necessidade, pode deixar "na entrada da classe".
Os conteúdos são dotados de assuntos diferentes daquele que o aluno
vive, não tem um significado para ele. Não contribui em momento
algum para sua formação, para sua realização pessoal
e social.
Como queremos que nosso aluno aprenda se ele não pode
experimentar, vivenciar, perguntar, opinar, questionar, se nas aulas somente
pode observar e repetir o que o professor apresentar. Muitas vezes, ou melhor,
na maioria das vezes, ele nem sabe para que irá servir tudo aquilo que
ele está "gravando", decorando.
Rubem Alves ilustra muito bem como a escola é artificial aos olhos de
um observador preocupado com a liberdade e formação de corpos "não
dóceis": "Escondidos em meio a vegetação da
floresta, observávamos a anta que bebia à beira da lagoa. Suas
costas estavam feridas, fundos cortes onde o sangue se via. O guia explicou:
'A anta é um animal apetitoso, presa fácil das onças.
E sem defesas. Contra a onça ela só dispõe de uma arma:
estabelece uma trilha pela floresta, e dela não se afasta. Este caminho
que passa por baixo de um galho de árvore, rende às suas costas.
Quando a onça ataca e crava os dentes e garras no seu lombo, ela sai
em desabalada corrida por sua trilha. Seu corpo passa por baixo do galho. Mas
não a onça que recebe uma paulada. E assim a anta consegue fugir!'
Acho que a educação freqüentemente cria
antas: pessoas que não se atrevem a sair das trilhas aprendidas, por medo
da onça. De suas trilhas sabem tudo, os mínimos detalhes, especialistas.
Mas o resto da floresta permanece desconhecido."
E com isso, o corpo vai sendo um produto de nossa sociedade
(dos homens da sociedade) que faz dele o que eles acham melhor para não
comprometê-los nem colocá-los em risco.
Mas falemos um pouco mais sobre corporeidade, talvez para podermos
estar refletindo sobre o espaço que o corpo ocupa e as influências
que ele pode promover quando não manipulado, quando considerado um ser-no-mundo
dotado de plasticidade e com liberdade de expressão e ação.
O corpo como sujeito no mundo é criativo e se humaniza
a partir de sua existência. É a expressão da corporeidade,
são as formas preenchendo espaço e determinando um significado.
São movimentos ondulantes e corpos cheios de significados, suas vivências
corporais fazem a história e mudam o rumo da humanidade.
Devemos aceitar o corpo não mais como a soma das partes,
mas sim, pensar o corpo, como um sistema de interação, onde suas
partes só possuem sentido quando relacionada com as demais. É uma
totalidade integrada cujas ações existem sempre em função
do conjunto.
Podemos observar que cresce a cada dia estudos e pesquisas
relacionados com consciência corporal, motricidade humana, corporeidade
e cada vez mais, a negação do corpo está ficando nas páginas
do passado.
Está se acentuando a necessidade de observação
do corpo, uma nova maneira de vê-lo, porém essa nova abordagem do
corpo requer uma amplitude de conhecimentos para poder estarmos entendendo a
complexidade humana e o significado da palavra corpo num sentido mais amplo.
O corpo se define simplesmente por ser, por ocupar um espaço,
faz parte do mundo, se relaciona com ele, interage com as coisas do mundo e também
se relaciona com outros corpos.
Somos corpos fazedores e transformadores de um mundo, corpos
vivos, num tempo e num espaço experimentando todas as possibilidades emergentes
e que nos são de direito.
Diante destes fatos, começo a pensar que se faz necessárias
modificações no processo educacional. Urge uma renovação
pedagógica que privilegie a inserção corporal, uma educação
que assuma a corporeidade humana e formule novos paradigmas abandonando o mecanicismo
tradicional, uma educação que se aventure a percorrer por caminhos
desconhecidos, que busque novas trilhas, novas descobertas e que não tenha
medo de estar tornando vivos os seus aprendentes.
Devemos proporcionar para nossos alunos uma educação
humanizante, uma educação onde nossos alunos possam ser psicológicos,
biológicos, fisiológicos, cinesiológicos e antropológicos.
Uma educação que transforme seus conhecimentos e que contribua
para uma integração qualitativa ao meio social.
Precisamos também, estarmos atentos a uma melhoria nos
processos educacionais, para que possamos fazer emergir a construção
de novos conceitos, novas vivências, e a partir daí, estarmos contribuindo
para a descoberta de novas possibilidades.
Não temos como fugir de uma educação corporal,
uma educação que considere o corpo como uma ligação
homem-mundo, ela está presente na cultura, nas tradições,
na natureza, no cosmos.
Nossos alunos precisam de uma educação que comprove
nossa existência e importância no mundo, que entenda que é preciso
existirmos para que o mundo possa existir também. Uma educação
que considere importante que nossos corpos se movimentem, se transformem, para
que possamos transformar as coisas do mundo e ao mesmo tempo estar organizando
e desorganizando o nosso auto fazer-se.
A educação que buscamos deve possibilitar autoconhecimento,
compreensão de si mesmo e de seu mundo, prazerosidade, contato com o lúdico
e desenvolvimento de uma consciência crítica, favorecendo e incentivando
o aluno a manifestar suas idéias através de um agir pedagógico
coerente, e a partir daí, o aluno possa expressar sua corporeidade e sua
capacidade de adaptação, favorecendo ao mesmo, acoplamentos estruturais
nessa relação bio-psico-energética.
Quando pensamos no aluno-corpo, pensamos em seres que brincam,
correm, saltam, dançam, escrevem, choram, riem e tantas outras formas
de manifestação que um corpo pode ter.
Esse aluno-corpo é movimento em tudo o que faz, é um
significante expressando sentimento. Seu corpo é ativo no espaço
que ocupa, se comunica com os corpos ao seu redor e interage com eles.
Um corpo em busca de novas possibilidades, novos caminhos,
um corpo que necessita estar, ser, sentir e ser sentido.
Devemos nos engajar numa Pedagogia pós-moderna, uma
Pedagogia que esteja associada às novas visões de uma educação
através da corporeidade de seus aprendentes. Uma Pedagogia que não
se assuste ao deparar-se com conceitos básicos emergentes, uma Pedagogia
que não se assuste a trilhar por novos caminhos envolvidos com os processos
de ensino, capazes de uma nova configuração do agir pedagógico.
Uma educação com a tarefa de propiciar condições
para a interpenetração dos nexos corporais, das linguagens e dos
comportamentos na vida concreta das pessoas. Uma educação voltada
para uma dinâmica prazerosa, possibilitando o vivenciar de uma ecologia
cognitiva, carregada de significado, onde a plasticidade do corpo possa se manifestar
e romper de vez com o dualismo corpo/mente.
Profª Ms. Érica Verderi - FEFISO/ACM
verderi@cy.com.br