Introdução
Todo corredor seja principiante,
avançado ou elite deseja
estar sempre melhorando os tempos de prova e eu diria que isso
faz muito bem à auto-estima de qualquer pessoa porque
implica em perseguir metas. Entretanto, todo mundo sabe que
não dá para melhorar sem de vez em quando sentir
dor e desconforto fazendo treinamentos mais fortes de velocidades
ultrapassando os limites pessoais normais como os intervalados
e os fartleck’s.
Eis a questão. Muita gente pensa que treino de velocidade
significa automaticamente ter uma pista de atletismo disponível
toda marcadinha para treinar e quem não tem uma por
perto acaba até usando isso como álibi para não
treinar. A grande maioria não tem mesmo uma pista de
corrida por perto, mas existem muitas formas de treinar velocidade
sem pista de atletismo aproveitando os recursos ao seu redor.
Na Rua – Nos lugares onde você treina normalmente
obviamente já tem os percursos preferidos e em cada
percurso sempre tem um trecho com pelo menos 400 metros totalmente
plano, sem problema de trânsito ou pedestre. É aquele
lugar onde sempre que você passa por ali se sente bem à vontade
e a velocidade até aumenta sozinha. Pois bem. É nesse
trecho que você vai treinar o seu intervalado como se
fosse uma pista. Se tiver oportunidade de medir seja com uma
trena, odômetro do carro ou um desses computadorezinhos
de bicicleta, ótimo. Se não tiver como medir
não tem problema. Estabeleça um ponto A e B respectivamente
largada e chegada e treine por tempo. Faça o aquecimento
de 10 a 12 minutos ou 2 km que muitas vezes é o tempo
e/ou quilometragem da sua casa até o local escolhido.
Inicie o primeiro “tiro” numa velocidade confortável
propositadamente para ser o pior “tiro”. Trote
por mais um minuto e inicie o segundo tiro um pouco mais forte.
Normalmente se o primeiro tiver sido fraco o segundo tiro cai
sozinho.
Trote novamente e faça o terceiro tiro procurando
dessa vez melhorar o tempo. Daí para frente faça
quantos tiros forem necessários de acordo com a sua
planilha pessoal procurando o melhor. Os treinamentos intervalados
para serem bons os tempos devem ser de forma crescente. Ou
seja, o pior tiro deve ser o primeiro e o melhor o último.
O treinamento na rua traz a vantagem principal de estar sendo
feito na situação real de competição.
Quando você treina na pista com todo o conforto, sem
interferência de irregularidade do solo e ainda por cima
fazendo curva só para a esquerda os tempos acabam sendo
melhores, mas não refletem a realidade. Na rua o corredor
além de se preocupar com o gesto esportivo, a passada
e o onde está pisando ainda tem que se preocupar com
tudo que acontece em volta que pode ser uma surpresa a ser
superada em cada tiro. Pode ser um cachorro que atravessa na
frente, uma pessoa ou qualquer outra variável.
No Estacionamento do Shopping – Você pode ter vários
motivos para treinar nesse espaço que vai desde a falta
de outro lugar mais adequado até as condições
atmosféricas como a chuva, por exemplo. O ideal são
estacionamentos com vários andares. Escolha o último
andar que normalmente é o mais vazio por dois motivos.
Primeiro por que as pessoas são preguiçosas e
querem sempre estacionar o mais perto da porta de saída.
Em segundo lugar como o corredor gosta de treinar cedo a chance
de o estacionamento estar vazio é maior. A teoria é a
mesma da rua. Primeiro escolha o percurso que vai fazer. Dá até para
não ficar preso à teoria da pista fazendo um
contorno externo. Invente um circuito com várias curvas
para esquerda e direita como se fosse, por exemplo, um circuito
de kart. Se tiver chance de medir, ótimo. Se não,
siga a mesma teoria da rua. Uma vez definido o circuito, faça
um aquecimento, uma volta moderada já pensando no tempo
e depois faça o intervalado propriamente dito. Eu já fiz
isso muitas vezes. Como eu treinava na hora do almoço
uma ocasião fui trabalhar num prédio onde a única
opção era exatamente o estacionamento porque
na rua era totalmente inviável por conta do risco de
atropelamento. Uma desvantagem é o piso de cimento que é um
dos mais duros chegando mesmo a ser pior do que na rua no asfalto.
Procure traçar o percurso no mesmo sentido do trajeto
dos carros. De vez em quando, desde que tenha espaço
para isso, dá até parar brincar com eles, partindo
do princípio que a velocidade máxima para eles é de
10 km/h e a sua é ilimitada. O mais importante. Peça
autorização a quem de direito e/ou negocie “na
boa” com quem está lá tomando conta do
estacionamento.
No Campo – O tradicional treinamento de Cross Country
tem a vantagem não só do desenvolvimento das
diversas valências físicas inerentes à corrida
de fundo tais como força, velocidade, coordenação
motora, as diversas formas de manifestação das
resistências geral e específica entre outras.
Tudo por conta do terreno com vários obstáculos
naturais como subidas com inclinações diferentes,
descidas, troncos de árvores que obrigue saltar sobre
ele, pequenos riachos, grama, terra batida e principalmente
irregular. As tradicionais provas dessa modalidade são
feitas com circuito de 2 a 4 km onde é possível
fazer tempos progressivos por volta ou então seguindo
também a teoria da rua escolher um trecho de 300 a 800
metros em melhores condições que possibilite
correr com mais velocidade com mais segurança para fazer
o intervalado propriamente dito. Nesse tipo de terreno além
da velocidade a coordenação motora é especialmente
desenvolvida o tempo todo porque é impossível
correr sem olhar para o chão sempre irregular. No início,
as chances de torções de tornozelo são
maiores, mas com o tempo o corpo começa e desenvolver
o mecanismo reflexo e o pé já não vira
com tanta facilidade. Além disso, essa irregularidade
do piso acaba desenvolvendo os menores músculos do pé e
os profundos da perna (que ficam por baixo dos mais conhecidos
e/ou entre os ossos) proporcionando mais estabilidade ao gesto
esportivo.
Na Esteira – Os leitores dessa coluna sabem como defendo
o treinamento na esteira que não deve ser único.
O intervalado com todas as variáveis de pista pode ser
feito na esteira desde que seja de boa qualidade com marcador
de velocidade e distância confiável. Se tiver
inclinação melhor ainda porque é mais
uma opção a ser acrescentada ao intervalado.
A maioria dessas boas esteiras permite velocidade máxima
de 18 a mais de 20 km/h o suficiente para permitir um bom treino à maioria
dos corredores. Só os atletas de elite é que
as esteiras podem ficar a dever. Vale lembrar que o conforto
que a esteira proporciona e o amortecimento do impacto pode
piorar a coordenação motora e o reflexo razão
suficiente para não fazer da esteira uma opção única
de treinamento intervalado. Deixe para fazer num dia com muitos
compromissos que o tempo para treinar seja pouco ou que esteja
chovendo muito. Se possível faça o treino com
música estimulante e alegre para puxar o ritmo.
Variando o Intervalado – Tradicionalmente o método
criado por Woldemar Gerschller em 1939 previa distâncias “tiros” e
intervalos “descansos” sistematicamente iguais
entre eles. Mundialmente foi divulgado por Emil Zatopeck, (a
Lomotiva Humana) famoso por vencer em Helsinque 52 as provas
de fundo dos 5000, 10000 a maratona tendo como base de treinamento
o intervalado. Hoje com a evolução da Fisiologia
e da própria Medicina Esportiva a gente sabe que dependendo
do objetivo podemos aplicar o intervalado de maneiras diferentes
mexendo nas variáveis das distâncias, do tempo
e a forma de recuperação entre os tiros.
Maneira tradicional – “x” tiros de 300 metros
com intervalo de no máximo 1 minuto trotando (repouso
ativo). As distâncias variam de 300 a 2000 metros conforme
a prova alvo e o condicionamento físico do corredor.
Pirâmide Crescente/Decrescente – Tiros de 300,
400, 500, 400, 300 metros formando uma série. Programam-se
quantas séries forem necessárias e/ou distâncias
conforme objetivo e desempenho do corredor.
Pirâmide Crescente por Tempo – Exemplo. Três
tiros de 600 ou 800 metros com intervalo de 200 metros. O primeiro
moderado/forte, o segundo forte e o terceiro fortíssimo.
Se sentir que não foi suficiente faz mais um também
para recorde pessoal. A Pirâmide Crescente por tempo
pode e deve ser aplicada também nos treinos curtos de
3 a 6 km dividindo o percurso em três terços.
Começa fraco, melhora no segundo e corre o mais forte
possível no terceiro terço.
A Resistência – Por incrível que pareça
muita gente ainda confunde isso. O intervalado tem como objetivo
desenvolver também a resistência uma vez que essa
valência física é definida como a capacidade
de sustentar uma determinada velocidade o maior tempo possível.
Não é isso o que mais desejamos numa corrida
seja ela na distância que for? Sustentar uma boa velocidade
o tempo todo?
Quando treinar tiros curtos e quando treinar longos – As
distâncias das provas preferidas da maioria dos corredores
são 5, 10, 15, 21 km e a maratona. Sendo assim, os tiros
de 300 metros são mais adequados às provas de
5 km, 600 metros para os 10 km, 1000 metros para os 15 km e
1500 metros para a meia maratona e 3000 metros para a maratona.
O número de tiros mínimo deve cobrir pelo 2/3
da prova alvo. Ou seja, para uma prova de 5 km 10 tiros de
300 metros e assim por diante.
A intensidade Durante os Tiros – Deve ser igual ou maior
que a velocidade média da competição alvo,
isso porque não teria cabimento treinar em velocidade
menor se o maior desejo do corredor é melhorar a velocidade
na competição. Exemplo: corredor que faz 5 km
em 20 minutos, 4 por 1 na linguagem popular. Deve fazer 10
tiros de 300 metros a 72 segundos ou menos.
A Recuperação – Uma dúvida que muita
gente tem é com relação ao intervalo.
Quando está na hora de um novo tiro? Trotar a distância
programada ou se orientar pela freqüência cardíaca?
A forma mais prática é conjugar a Escala de Borg
com a freqüência cardíaca. Ou seja, faça
experimentalmente num dia especificamente para isso a Pirâmide
Crescente usando o monitor cardíaco, mas sem se preocupar
muito com a freqüência cardíaca para não
diminuir a velocidade final por causa dela. A freqüência
cardíaca no final do último tiro deverá ser
muito próxima da máxima desde que realmente você tenha
sentido que “deu tudo” no final. Quem me acompanha
nessa coluna leu na edição passada que ninguém
morre de freqüência cardíaca alta no treinamento.
Daí para frente você terá a sua máxima
e a submáxima mais real do que as tradicionais fórmulas.
Está na hora de um novo tiro quando sentir-se parcialmente
recuperado. Ou seja, a Escala de Borg ainda será a mandante
na questão porque a freqüência cardíaca
de recuperação estará um pouco mais alta
a cada novo tiro. Se for se basear “só” por
ela a cada recuperação o tempo será maior.
Pode-se também se basear numa recuperação
de 10 a 15 batimentos menos que a registrada na chegada de
cada tiro independente das distâncias dos tiros. Nos
anos 70 pregava-se que o novo tiro deveria ser dado quando
a freqüência cardíaca chegasse a 120 bpm.
Essa teoria é totalmente “furada” porque
cada um tem uma freqüência cardíaca máxima
e de recuperação diferente e pode variar na mesma
pessoa conforme o cansaço físico, mental ou variação
hormonal no caso das mulheres seja no ciclo menstrual ou uso
de anticoncepcional. Portanto, a palavra certa é: Bom
senso. Nem muito descansado nem muito cansado para um novo
tiro. Lembrando que a recuperação deve ser preferencialmente
ativa nem que seja andando rápido se não der
para trotar para que a remoção do lactato residual
seja mais rápida contribuindo também com o aumento
do VO² máximo e o Limiar Anaeróbio. Na prática
sabe-se que quanto maior esses valores fisiológicos
maior é a economia de oxigênio na corrida em velocidades
maiores.
Quando Treinar Intervalado – Preferencialmente duas vezes
por semana pelo menos nas três semanas que antecedem
uma competição importante ou no período
específico para quem segue periodização
visando prova alvo. No período básico também
pode-se fazer Intervalado em ladeira com velocidades entre
85 a 90% da média de competição visando
aumento das diversas manifestações da força.
Seis Regras Básicas do Intervalado: 1) Não é o único
treino, não substitui os outros e sozinho não
faz milagre devendo fazer parte de um planejamento global.
2) Como é um treino mais forte, o aquecimento nesse
caso é imprescindível. 3) O atleta deve equilibrar
todos os estímulos (tiros) deixando para fazer tempos
melhores nos últimos e não no primeiro. 4) Da
mesma forma os tempos de intervalos devem ser iguais ou recuperar-se
apenas parcialmente. 5) A intensidade deve ser controlada pela
Freqüência Cardíaca ou Escala de Borg respeitando
a prescrição e o bom senso. 6) Deve-se evitar
o excesso de seções de treino semanal. Obrigatoriamente
o treino seguinte ao intervalado deve ser fraco ou moderado.
Leitura sugerida:
Livros:
1) MCARDLE, WILLIAM D.; KATCH, FRANK I.; KATCH, VICTOR L.;
TARANTO , GUISEPPE (Trad.). Fisiologia do exercício
: energia, nutrição e desempenho humano. 4. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
2) ROBERGS, Robert A – Princípios Fundamentais
de Fisiologia do Exercício para desempenho e Saúde.
Editora Phorte, 2002 – São Paulo.
3) VOLKOV, Nicolai Ivanovich – Teoria e Prática
do Treinamento Intervalado no Esporte – Editora Multiesportes – 1ª Edição – 2002.
4) WEINECK, J. Biologia do Esporte. São Paulo, Manole,
2000.
Na Internet:
1) ALMEIDA, Patrícia Alves de & PIRES, Cássio
Mascarenhas Robert - A importância do treinamento intervalado
em programas de redução de peso e melhoria da
composição corporal – Disponível
em:
http://www.efdeportes.com/efd119/treinamento-intervalado-em-programas-de-reducao-de-peso.htm Acesso
em: 19/10/2011.
2) Moraes, Luiz Carlos – Correr Intervalando é Natural do Ser Humano – Disponível
em:
http://revistacontrarelogio.com.br/materia/correr-%C2%93intervalando%C2%94-e-natural-do-ser-humano/
Acesso em: 19/10/2011.
3) Moraes, Luiz Carlos – Treinamento de Cross Country: Excelente em Todos
os Sentidos – Disponível em: http://revistacontrarelogio.com.br/materia/treinamento-de-cross-country-excelente-em-todos-os-sentidos/
Acesso em: 19/10/2011.
4) CASTRO, Cláudia Lúcia Barros de – Treinamento Aeróbico
e Anaeróbico – Palestras Clínica de Medicina do Exercício
(Clinimex) – Transparências disponíveis em:
http://www.cremerj.org.br/palestras/711.PDF Acesso em: 19/10/2011.
5) Moraes, Luiz Carlos – Correr na Rua Com Segurança - O Jogo de
Velocidade – Disponível em: http://www.copacabanarunners.net/jogo-velocidade.html Acesso em: 20/10/2011.
6) BROCHADO, Monica Maria Viviani & KOKUBU, Eduardo - Treinamento Intervalado
de Corrida de Velocidade: Efeitos da Duração da Pausa Sobre o Lactato
Sanguíneo e a Cinemática da Corrida. Disponível em: http://www.rc.unesp.br/ib/efisica/motriz/03n1/artigo2.pdf Acesso
em: 20/10/2011.
7) ABRANTE João – Dossier Técnico – O Treino Intervalado
e a Corrida de Velocidade. Disponível em:
http://www.revistaatletismo.com/maratona_files/Dossier_Tecnico_322.pdf Acesso
em: 20/10/2011.
AUGUSTI, Marcelo – Fartlek e Intervalado: Para Correr Com Velocidade – Disponível
em: http://revistacontrarelogio.com.br/materia/fartlek-e-intervalado-para-correr-com-velocidade/
Acesso em: 20/10/2011.
8) GUETHS, Marcos & FLOR, Daniela Pontes - Os Principais Métodos de
Praticar Exercícios Aeróbicos – Disponível em:
http://www.aquabarra.com.br/artigos/treinamento/OS_PRINCIPAIS_METODOS_DE_PRATICAR_EXERCICIOS_AEROBICOS.pdf Acesso em: 20/10/2011.
Para Refletir: O ser humano
ocupado não tem tempo de
pensar na morte. Tem muitos problemas para resolver antes dela
chegar. (Moraes 2011)
Sobre a Ética: Trabalho
para algumas pessoas significa uma tortura. Para as pessoas
que escolheram a profissão
que realmente gost