DOR MUSCULAR NEM SEMPRE É RUIM
E NÃO HÁ CORREDOR QUE NÃO A TENHA SENTIDO
PELO MENOS UMA VEZ
Por: Luiz Carlos de Moraes CREF1 RJ 003529-P/R
E-mail: lcmoraes@compuland.com.br
Portal: www.noticiasdocorpo.com.br
Data de Publicação: 15/11/2009 de 2009.
Introdução
Qualquer pessoa que resolva fazer uma atividade física,
seja ela qual for já sentiu e vai sentir sempre dor muscular
especialmente os corredores que quando não a sentem até acham
não estarem evoluindo ou não estão fazendo
nada. São adeptos ao velho adágio popular “sem
dor não há vitória” e não deixam,
até certo ponto, de ter razão porque a dor nem
sempre é ruim.
Os tipos de Dor
Podemos a grosso modo classificar as dores
musculares em três níveis como se fosse uma Escala
de Borg: Aquela dorzinha gostosa generalizada depois de uma corrida
que não impede os movimentos, a que impede parcialmente
fazendo os músculos perderem a flexibilidade e a capacidade
de gerar força mas ainda assim permite continuar andando
e a aguda que nos deixa mancando e impedido de fazer o movimento
normal.
A primeira geralmente não traz nenhuma conseqüência
e não impede a continuidade do treinamento desde que seja
leve no dia seguinte. A segunda, no dia seguinte é bom
prestar bem atenção se ela melhorou, piorou ou
permaneceu estável. Para essa dor pode ser necessário
um descanso maior. Se você é daqueles que não
deixam de treinar de jeito nenhum observe se a dor permanece
após o aquecimento. Se piorar logo nos primeiros quilômetros,
por mais que lhe custe pare imediatamente. A terceira deve receber
atenção diferenciada porque pode ser uma lesão
leve e evoluir para grave se insistir em treinar por teimosia.
Apesar de desconhecida a verdadeira causa, a dor chamada pelos
fisiologistas de Dor Muscular Tardia, depende quase que diretamente
da intensidade, duração de esforço e do
tipo de exercício realizado embora a intensidade seja
uma causa mais importante que a duração. De qualquer
forma pode estar relacionada a micro traumatismos seguido de
inflamação aguda das fibras musculares, estiramento
excessivo do tecido conjuntivo do músculo, alteração
no mecanismo celular de entrada e saída de cálcio
ou vários fatores conjugados.
Embora os iniciantes assim como os idosos estejam mais sujeitos,
qualquer pessoa que resolva fazer uma atividade para a qual não
esteja acostumada poderá ser surpreendida com as dores
musculares nas primeiras 24/48 horas seguintes à atividade
que não deixa de ser uma adaptação normal
do organismo. Corredores que não mantém regularidade
no treinamento e quando treinam resolvem recuperar o tempo perdido
são candidatos a dores seguidas de lesões. É preferível
treinar três vezes por semana sempre nos dias certos do
que numa semana treinar seis dias, na outra dois e na outra nenhuma.
Como Aliviar
É preciso estar atento às formas
de aliviar as dores. O famoso "gelol" e outros produtos
similares são apenas um paliativo não atuando na
causa. Se a atividade que gerou a dor foi bem planejada, uma
atividade física mais leve no dia seguinte serve para
ajudar o processo de adaptação muscular às
novas exigências do treinamento. Porém, se as dores
musculares forem muito intensas o gelo e repouso quase sempre
são opções melhores. Qualquer exigência
a mais da musculatura, os micro traumatismos das fibras musculares
vêm acompanhados de derramamento de líquidos entre
as fibras, até certo ponto uma reação normal
de defesa do organismo. O gelo além de aliviar a dor,
provoca uma diminuição na concentração
desses líquidos num processo conhecido por vasoconstrição.
Em competições feitas por baterias eliminatórias
no mesmo dia, como por exemplo os 100 metros rasos e recentemente
as 24 horas de revezamento São Paulo Rio, após
cada etapa os corredores mergulham as pernas em barril cheio
de água gelada a fim de evitar dor muscular que possam
prejudicar a bateria seguinte. Procedimento conhecido como crioterapia.
Esse também é um procedimento bem conhecido no
futebol como fazem os jogadores do Fortaleza Esporte Clube (foto).
Os corredores que podem, depois de um treino mais longo ou mais
puxado devem mergulhar as pernas numa piscina com água
fria ou os que treinam na beira da praia devem aproveitar para
ficar andando na beira do mar com água pela cintura ou
mesmo nadar um pouco. Isso faz um bem danado. Quem não
tem nada disso e gosta de tomar banho quente deve fazer um sacrifício
de, no final do banho ligar o chuveirinho e banhar as pernas
com água fria. Quanto mais fria melhor. A pior atitude
nesses casos é aplicar calor que provoca aumento de líquidos
e de sangue na região, processo conhecido como vasodilatação
comprometendo e/ou retardando a recuperação do
tecido muscular.
Outra grande aliada à recuperação muscular
e alívio da dor é a hidroginástica uma atividade
física aeróbia feita numa piscina com água
na altura do peito cujas propriedades físicas da água
proporcionam um estado de relaxamento. A hidroginástica
já fez parte do plano de treinamento de grandes atletas,
como as corredoras olímpicas Florence Griffth (falecida),
Jackie Kersse e Valerie Brisco. A treinadora Linda Huey, da Universidade
da Califórnia, na época elaborou um programa específico.
Por aqui, há algum tempo, os técnicos ligados ao
voleibol e ao futebol que sabidamente são esportes muito
intensos com altos índices de lesões, adotam essa
opção por ser muito eficiente em amenizar as dores
tardias e redução de lactato.
É
bom lembrar que dor é quase sempre um sinal de alarme
e não deve ser de todo desprezada, mesmo aquele que a
gente classifica como “dor gostosa”. Alguma coisa
aconteceu. A atitude seguinte deve ser precedida pelo bom senso
e qual de nós nunca errou nessas decisões? Eu mesmo
rentemente insisti na continuidade de um treinamento que não
deveria acontecer e “paguei o pato” tendo que ficar
de molho mais tempo do que ficaria se tivesse abortado o treino
nos primeiros sinais de dor aguda durante uma corrida. É o
preço que se paga.
A Dor Muscular Tardia atinge indistintamente qualquer um, mas
o povão sente mais por estar menos acostumado a esforços
extras como em determinadas provas com muita subida e/ou descidas.
O atleta de elite é um caso à parte porque precisa
estar sempre tentando ultrapassar seus limites e a dor muscular
quase sempre é uma constante nas suas vidas. Sentir mais
ou menos, muitas vezes pode significar a diferença entre
a vitória e a derrota. Por isso mesmo, o atleta não
pode ser tomado como exemplo de saúde e bem estar. Sentir
dor de vez em quando é legal, mas sempre fica por conta
de outros objetivos além da saúde.
Como dito acima qualquer pessoa que resolva aumentar a intensidade
de qualquer atividade física vai sempre sentir para mais
ou para menos e não há quem não a tenha
sentido. Com supervisão profissional os problemas podem
ser amenizados. Entretanto, não devemos confundir com
sinônimo de performance ou de resultado sempre positivo
como acontece com a frase na "boca do povo" no público
de academia: Puxa! A ginástica de ontem foi boa mesmo!
Estou todo doído. Também não é assim.
Nem oito nem oitenta. Se estiver todo doído a ginástica
não foi boa.
É
importante lembrar que, ao contrário do que se imaginava
a dor muscular pode não estar relacionada com a concentração
de lactato sangüíneo e sim com o tipo de contração
muscular repetitiva e/ou amplitude articular exagerada. Fisiologistas
importantes concordam que as contrações excêntricas,
como por exemplo correr na descida, como é o início
da São Silvestre, não aumenta tanto a concentração
de lactato mas geram dores musculares bastante significativas.
As contrações concêntricas, correr no plano,
pode aumentar muito a concentração de lactato mas
as dores musculares são menos percebidas. Portanto, em
qualquer corrida, com ou sem ladeiras e descidas, não
são poucos os atletas que largam muito forte tentando
melhorar seus tempos ou aparecer nas fotos de jornais e na televisão.
Esses, além de sabidamente não melhorarem seus
desempenhos finais são os primeiros candidatos às
dores musculares e eventualmente às lesões. A toda
hora vemos transmissões esportivas de corridas famosas
e quem ganha essas corridas dificilmente largam na frente. Acho
que precisamos aprender alguma coisa com isso. Não acham?
A presença da dor muscular sempre nos reflete a identificar
a causa. Os adeptos à musculação, atividade
que muito defendo aos corredores, devem tentar observar se a
dor muscular teve origem nessa atividade ou na corrida. Aumento
abrupto de carga, repetições excessivas, movimento
articular exagerado ou o não respeito ao descanso adequado
normalmente são as causas principais de dores musculares
na musculação. Além disso vale dar uma olhada
na qualidade dos aparelhos. Os muito velhos e/ou sem manutenção
são causas de dores musculares e lesões importantes.
Os mais modernos se ajustam perfeitamente às medidas mais
variadas de cada um e são projetados com base em estudos
biomecânicos.
Na corrida outras causas devem ser investigadas tais como o calçado
muito gasto, inadequado ao tipo de pisada ou novinho em folha
com estréia numa competição. Além
disso os desvios posturais, anormalidades antropométricas
e biomecânicas podem ser causas de dores musculares que
podem aparecer mesmo depois de vários anos de treinamento.
Fazendo uma analogia com o automóvel algumas peças
se desgastam e não é incomum um corredor depois
de vários anos de treinamento acostumado a correr sempre
a mesma quilometragem começar a sentir dores nunca antes
sentidas. Alguns grupos musculares com o passar dos anos podem
ficar enfraquecidos e reclamar com dores. Investiga-se a causa
e recupera-se o músculo com treino adequado. No carro
a gente troca a peça.
Outro fator de muita controvérsia na corrida é a
questão da flexibilidade e o hábito de fazer ou
não alongamento que é o exercício destinado
a desenvolver essa valência física. Não se
trata de alongar antes ou depois da corrida e sim de em algum
momento do dia ou pelo menos duas vezes por semana encontrar
tempo para fazer essa atividade. Articulações e
músculos mais flexíveis facilitam o gesto esportivo.
Isso é um fato. Não são poucos os corredores
que sentem dores lombares e nos músculos posteriores de
coxa causadas por falta de flexibilidade nessas regiões.
Enfim, correr é um dos movimentos mais naturais do ser
humano que segundo a ciência foi, por assim dizer, projetado
para isso tendo ao longo dos anos desenvolvido tendões
e ligamentos elásticos para permitir amplitude de passada,
crânio capaz de prevenir superaquecimento, glúteos
maiores e antebraços mais curtos para estabilizar o movimento
e pernas mais longas para correr mais rápido. Uma evolução
a partir do Australopithecus que corria para caçar e/ou
fugir dos predadores, pois não subiam em árvores
como os macacos. Se não usarmos essa habilidade no futuro
teremos novo tipo de ser humano. O Homo sedentarius andando em
cadeira de rodas por ser obeso, com ossos fracos, musculatura
flácida e muito inteligente. Pra quê?
A gente não sabe se o Australopithecus sentia dores musculares,
mas nós sentimos e considera-se uma evolução
do sistema de defesa do organismo, portanto para ser respeitada.
Afora isso, que de vez em quando dá uma sensação
de satisfação e dever cumprido depois de um recorde
pessoal, isso dá. Aí não importa o nome
técnico da dor. Importa é que ás vezes a
gente fica feliz com ela.
Bibliografia:
1) BACURAU, REURY FRANK et al. – Hipertrofia Hiperplasia.
Editora Phorte Editora, 2001.
2) FOSCHINI, Denis – PRESTES, Jonato e CHARRO, Mário
Augusto - Relação Entre Exercício Físico,
Dano Muscular e Dor Muscular de Início Tardio. Revista
Brasileira de Cineantropometria & Desempenho Humano. 2007;9(1):101-106.
3) MCARDLE, WILLIAM D.; KATCH, FRANK I.; KATCH, VICTOR L.; TARANTO
, GUISEPPE (Trad.). Fisiologia do exercício : energia,
nutrição e desempenho humano. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.
4) TRICOLI, Valmor - Mecanismos envolvidos na etiologia da dor
muscular
Tardia - Revista Brasileira de Ciência e Movimento - Brasília
- abril 2001 – Disponível em: http://www.ucb.br/mestradoef/RBCM/9/9%20-%202/completo/c_9_2_5.pdf Acesso em: 07/11/2009.
5) WILMORE, JACK H.; COSTILL, DAVID L. – Fisiologia do
esporte e do exercício. Editora Manole. 2001
6) WEINECK, J. Biologia do Esporte. Ed. Manole, Rio de Janeiro,
1991.
Crédito da Imagem sobre crioterapia.
http://www.fortalezaec.net/2009/Noticia.aspx?id=51d17dc661eb4d91b4b2491c9e1ed3a0