Home |CDOF Responde | Cadastro de Usuários | Cadastro de Consultores|


 

Sex, 12/12/08 16:49

Análise do chute no futebol em duas idades distintas através das coordenadas esféricas.

*Fabiano G. Teixeira, Walter J. de Magalhães Junior, Martin Wisiak, Sergio A. Cunha
Departamento de Educação Física - I.B. - UNESP - Rio Claro

INTRODUÇÃO

    O futebol é o esporte mais popular em todo o mundo e possui milhões de praticantes em todas as faixas etárias. Por isto esse esporte tem sido bastante explorado através de investigações científicas durante os últimos tempos. A Biomecânica tem contribuido nos estudos sobre o futebol, através da Cinemática, da Dinâmica e da Eletromiografia. O presente estudo aborda o chute no futebol e analisa suas variáveis de interesse através da cinemetria, conjuntos de métodos utilizados para medir os parâmetros cinemáticos do movimento (AMADIO 1996).
    Sabe-se que para a prática do futebol são necessários alguns fundamentos que, com o treinamento, vão evoluindo e aperfeiçoando-se. Um destes fundamentos, considerado por muitos o mais importante e o mais estudado no futebol, é o chute (LEES e NOLAM 1998). A análise dos dados do chute no futebol pode identificar padrões desse movimento e o nível de habilidade do atleta, além de comparar padrões de movimento em diferentes faixas etárias e em diferentes tipos de chute.
    Alguns estudos (PUTNAM (1983), RODANO e TAVANA (1993)) abordam a angulação e a velocidade angular das articulações dos membros inferiores durante a realização do chute. LEVANON e DAPENA (1998) mostraram as diferenças entre a latitude do vetor normal ao plano coxa-perna nos chutes com o peito do pé e o chute com a parte medial do pé. Já CUNHA et al. (2002) descreveram uma metodologia para analise do padrão de movimento de chute utilizando coordenadas esféricas para indicar a posição dos membros inferiores, mostraram que os gráficos dos chutes da latitude em função da longitude podem ser mais bem compreendidos e que as análises utilizando estas duas variáveis (latitude e longitude) podem identificar melhor a conduta de cada segmento durante a realização do chute.     Em outros trabalhos, o chute é investigado em relação ao seu desenvolvimento ao longo da vida (BLOOMFIELD et al. (1979), DAY (1987) apud LEES e NOLAN (1998)). Estas variáveis são de extrema importância para a compreensão deste fundamento no futebol. Sendo assim, este estudo teve como objetivo comparar os valores de latitude em função do tempo (ciclo de movimento) do vetor ortonormal ao plano formado pelos segmentos coxa e perna em participantes com 13 e 20 anos de idade.

METODOLOGIA

    Para a realização deste trabalho foram filmados chutes de 8 participantes destros do sexo masculino, sendo 4 destes com idade de 13 anos e 4 com idade de 20 anos. Eles pertencem às equipes de futebol da Unesp - Rio Claro, que representam a Universidade em campeonatos regionais e universitários. Os participantes necessariamente deveriam ser praticantes regulares do futebol, definidos como aqueles que treinam regularmente pelo menos duas vezes por semana. Eles foram instruídos a respeito dos procedimentos a que seriam submetidos e assinaram um termo de consentimento.
    Foi realizado um aquecimento prévio para evitar riscos de contusões. Após o aquecimento cada participante realizou 1 série de 5 chutes com a bola parada, sendo que a mesma deveria passar por sobre uma barreira posicionada a 9.15 m da bola, simulando assim uma cobrança de falta de uma distância de vinte metros em direção ao gol. Foram colocados externamente marcadores de isopor medindo 2.5 cm de diâmetro nas articulações do quadril
(trocanter maior), joelho (epicôndilo lateral do fêmur), tornozelo (maléolo lateral) definindo os segmentos coxa e perna. Para as filmagens, foram utilizadas 2 câmeras de vídeo digitais
JVC, modelo GR-DVL 9800u, fixadas em tripés, as quais, foram ajustadas a uma freqüência de 120 Hz e posicionadas lateralmente ao movimento dos participantes. Elas focalizavam os marcadores passivos colocados no membro inferior dos participantes. Os chutes foram analisados a partir do instante em que o membro de chute foi retirado do solo até o instante em que o mesmo tocou a bola. Antes de iniciar as filmagens das execuções dos chutes, foi colocado um calibrador possuindo 8 (oito) pontos com posições absolutas conhecidas em relação a um referencial de eixos cartesianos x, y e z. O sistema de referências utilizado foi determinado como o eixo y coincidindo com a vertical (orientado para cima), o eixo x em direção ao gol, formando uma linha imaginária ortogonal com a linha de fundo (orientado no ponto médio do gol), ortogonal ao eixo y e o eixo z definido pelo produto vetorial de x por y. Após as filmagens, as imagens foram capturadas e armazenadas no computador. Essas imagens foram medidas através do software Dvideow (BARROS et al. 1999). No presente estudo, foi utilizada a medição semi-automática, ou seja, a medição foi realizada parcialmente por meio de um operador e a outra parte pela aplicação de algoritmos de extração de padrões nas seqüências de imagens.
    As câmeras foram calibradas e, em seguida, foi realizada a reconstrução tridimensional, que consistiu na localização dos pontos marcados nos sujeitos no espaço tridimensional com as posições relativas no espaço (realizada também através do mesmo software) para a obtenção das coordenadas espaciais tridimensionais.
    O movimento humano é apresentado de forma contínua e suave, porém os dados obtidos após a reconstrução tridimensional (coordenadas x, y e z de cada segmento em função do tempo) se apresentam de forma discreta. Além disto, algum erro de medição pode também causar problemas na interpretação dos resultados. Por isto, foi necessária a realização de uma suavização dos dados, ou seja, separar o sinal (fenômeno investigado) dos ruídos (erros). Isto é feito através da análise dos resíduos em função do tempo, para verificar se aparece algum sinal no gráfico dos resíduos, ou se houve a separação adequada. Esta suavização foi realizada através da função spline cúbico, em rotina desenvolvida no software MATLAB®. Após a suavização dos dados, foram determinados os segmentos (vetores) coxa e perna. Estes segmentos foram normalizados (transformados em tamanho 1) e, em seguida, determinou-se o vetor ortonormal (veort) ao plano gerado por estes dois vetores, através do produto vetorial entre eles. Assim, a orientação do plano coxa-perna foi expressa em coordenadas esféricas (latitude) do vetor ortonormal ao mesmo. A latitude (F) é dada por:

F = arcsen (Y veort) * 180 /p

    Foi encontrada a mediana de cada conjunto de curvas para cada instante de tempo e seu respectivo intervalo de confiança através de rotina desenvolvida no software S-PLUS®. O gráfico da mediana em função do ciclo de movimento e o intervalo de confiança dos dois grupos foram analisados, obtendo assim os resultados que seguem.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

    A ação do chute é dominada por trocas na orientação do plano coxa-perna e através da movimentação destes segmentos (LEVANON E DAPENA 1998). A latitude descreveu o ângulo entre o vetor ortonormal (formado pelo plano coxa-perna) e a orientação vertical do sistema de referências adotado, seus valores estão entre 0º e 90º. O valor 0º indica que o vetor está sobre o plano horizontal enquanto o valor 90º indica que este vetor está sobre um plano vertical. Valores positivos mostraram o vetor orientado no hemisfério norte de uma esfera teórica centrada na articulação do joelho, enquanto valores negativos mostraram o vetor orientado no hemisfério sul desta mesma esfera.


Figura 1 - Gráfico das medianas da latitude do vetor ortonormal do conjunto de chutes dos sujeitos de 13 e 20 anos com seus respectivos intervalos de confiança em função do ciclo de movimento.

    A figura acima mostra a mediana da latitude do vetor ortonormal ao plano formado pelos segmentos coxa e perna com seus respectivos intervalos de confiança em função do ciclo de movimento dos grupos de chutes dos sujeitos de 13 e de 20 anos. Segundo LEVANON e DAPENA (1998) os chutes com a parte medial do pé começam com o plano coxa-perna em uma orientação horária. Este plano rotaciona através de um sentido anti-horário após a retirada do pé de chute do chão e então rotaciona no sentido horário novamente após o contato do pé de apoio com o solo.     Anteriormente ao impacto do pé de chute com a bola ocorre um decréscimo nos valores da latitude devido à movimentação do joelho para frente enquanto a coxa rotaciona externamente para tocar a bola com a parte medial do pé. Pode-se observar no gráfico da figura 1 um padrão parecido do comportamento do vetor ortonormal dos dois grupos, ou seja, com a rotação do plano no sentido anti-horário (rotação interna) ocorre uma queda nos valores da mediana da latitude, os sujeitos de 13 anos iniciam o chute com estes valores da latitude entre 20º e 50º enquanto os valores dos sujeitos de 20 anos estão entre 30º e 50º. Em seguida, quando ocorre o contato do pé de apoio com o solo, o plano rotaciona externamente e os valores da latitude do vetor ortonormal começam a aumentar, chegando a valores próximos aos iniciais ou até ultrapassando estes valores em alguns chutes nos sujeitos de 13 anos. No momento anterior ao contato do pé com a bola ocorre a movimentação do joelho para frente enquanto a coxa rotaciona externamente para o toque na bola com a parte medial do pé, observando-se um decréscimo acentuado da latitude finalizado com o contato do pé de chute com a bola. No entanto, foi observado que as curvas estão separadas em determinados momentos do chute, ou seja, apresentaram padrão diferente de 19 a 28% e também de 93 a 100% do ciclo de movimento, nos intervalos restantes foi observado um mesmo padrão do comportamento do vetor ortonormal, ou seja, não houve separação das curvas da mediana nestes intervalos quando comparados os sujeitos de 20 anos com os de 13 anos. CUNHA et al (2002) utilizaram esta mesma ferramenta, ou seja, coordenadas esféricas, apresentando, por exemplo, a latitude dos segmentos em função do tempo para mostrar uma acentuada redução da latitude da perna durante sua fase de balanço até o contato do pé com a bola e um aumento destes valores após o contato com a bola.
    Apesar de não comparar os chutes entre faixas etárias, LEVANON e DAPENA (1998) verificaram padrões diferentes de latitude do vetor normal ao plano coxa-perna indicando diferenças claras entre dois tipos de chute, mostrando assim, que este tipo de comparação, utilizando latitude de um vetor normal ao plano de interesse, é uma ótima ferramenta para verificar as diferenças, por exemplo, entre os padrões de diferentes tipos de chute, ou de diferentes faixas etárias.

CONCLUSÃO

    Concluiu-se então que o comportamento do vetor ortonormal ao plano coxa-perna de todos os chutes, analisados através da mediana da latitude destes chutes e seus respectivos intervalos de confiança, em todos os sujeitos, não apresentou um mesmo padrão durante todo o movimento. Foram observados padrões diferentes nos intervalos de 19 a 28% e de 93 a 100% do ciclo de movimento. Nos demais intervalos do ciclo, o padrão de ambos os grupos pode ser considerado como o mesmo.
    Assim, pode-se verificar que as diferenças entre os padrões definidos pela latitude do vetor ortonormal ao plano coxa-perna apresenta pequenas distinções entre os participantes com idades de 13 e de 20 anos. Como os dois grupos realizam os experimentos utilizando o mesmo tipo de chute, as diferenças em função da idade não são muito grandes. Desta forma, pode-se afirmar que os padrões dos movimentos do chute entre essas idades não são muito distintos, já que ambos já possuem um padrão maduro de movimento por serem praticantes regulares de futebol.

REFERÊNCIAS

-AMADIO, A. C. Fundamentos biomecânicos para análise do movimento humano. São Paulo: Laboratório de Biomecânica/EEUSP, 1996.
-BARROS, R. M. L.; BRENZIOKOFER, R.; LEITE, N, J.; FIGUEROA, P. Desenvolvimento e avaliação de um sistema para análise cinemática tridimensional de movimentos humanos. Revista Brasileira de Engenharia Biomédica. RJ. V.15, n.1/2, 1999, p.79-86.
-CUNHA, S.A.; BARROS, R.; LIMA FILHO, E. C.; BRENZIKOFER, R. Methodology for graphical analysis of soccer kick using spherical coordenates of the lower limb. In: SPINKS, W. (Ed.). Science and football IV. London: Routledge, 2002, p.8-15.
-LEES, A., NOLAN, L. The biomechanics of soccer: a review. Journal of Sports Sciences, v. 16, n. 4, 1998, p.211-34 .
-LEVANON, J.; DAPENA, J. Comparasion of the kinematics of the full-instep and pass kicks in soccer. Journal of Sports Sciences, v. 30, n.6, 1998, p. 917-27.
-PUTMAN, C. A. Interaction between segments during a kicking motion. In: MATSUI, H.;KOBAYASHI, K. (Ed.). Biomechanics VIII -B H. Champaign: Human Kinetics, 1983, p.695-700.
-RODANO, R.; TAVANA, R. Three dimensional analysis of the instep kick in professional soccer players. In: REILLY, T.; CLARYS, J.; A. STRIBBE, A. (Ed.). Science and football II. London: E&FN Spon, 1993, p.357-361.


Artigo publicado

TEIXEIRA , F. G., MAGALHÃES Jr, W. J., WISIAK, M., CUNHA, S. A., Análise do chute no futebol em duas idades distintas através das coordenadas esféricas. . In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOMECÂNICA, n.10, 2003 Ouro Preto. Anais… V.I, Ouro Preto- MG, p.160-3, 2003.


*Prof. Ms. Fabiano Gomes Teixeira
Bacharel em Educação Física -UNESP-Rio Claro-SP;
Mestre em Ciência da Motricidade Humana -UNESP-Rio Claro.
Labio - Laboratório de Análise Biomecânicas
Dep. Educação Física - UNESP - Rio Claro -SP

 

|::::  Cooperativa do Fitness - Todos os direitos reservados - BH - MG - Na internet desde 05/12/1999 ::::|