CANOAGEM: Prevenção e auxílio
no tratamento da asma
Introdução
A asma é uma doença cercada de mitos e preconceitos,
a começar pelo nome que quase sempre é evitado, por estar popularmente
associado a formas mais graves de doença. Estes mitos e preconceitos a
respeito da asma e seu tratamento geralmente levam pais e pacientes à procura
de tratamentos alternativos e milagrosos que prometem "cura".
Estudos recentes sugerem que a asma está se tornando
cada vez mais freqüente, grave, problemática e que o número
de crianças asmáticas dobrou nos últimos 20 anos. Hoje é considerada
a principal causa de falta à escola e ao trabalho. Várias possibilidades
têm sido aventadas para explicar esse aumento, entre elas a poluição
do ar e o aumento de elementos alergênicos na atmosfera, em particular
o ácaro, que encontrou um ambiente propício para sua proliferação(6).
Embora a taxa de mortalidade por asma ainda seja pequena, o risco de morte por
uma crise asmática é inquestionável. Em alguns países
parece ter havido um aumento no número de casos fatais e os estudos realizados
em busca das causas apontaram falta de tratamento adequado e preventivo, chamando-se
aqui a atenção para o fato de que os asmáticos
muitas vezes são subavaliados quanto a gravidade de sua doença.
A subavaliação aliada ao tratamento inadequado tem conseqüências
sérias. Outro aspecto importante é a morbidade, ou seja, os prejuízos
que a doença acarreta ao asmáticos. Acometidos de crises freqüentes
e com baixa resistência a atividades físicas, por exemplo, os
asmáticos são submetidos a inúmeras restrições
que o privam do pleno desenvolvimento de suas aptidões. Com isto levam
o rótulo de "criança doente", sofrendo como conseqüência
a rejeição dos colegas. Mas os avanços na área
do conhecimento e controle da doença, alcançados nos últimos
quinze anos, tornam possível dar a 95% dos asmáticos uma boa
qualidade de vida(6).
Infelizmente, no nosso meio a asma é geralmente tratada
apenas durante as exacerbações, com broncodilatadores, principalmente
orais, devido ao temor aos aerosóis. Assim, os recursos relativos a terapêutica
preventiva são pouco prescritos e a orientação aos programas
educativos/preventivos de atividades físicas pouco indicados. Reconhecemos
que os programas são poucos, baixa divulgação e que não
estão ao alcance da maioria .
Estes fatos podem explicar, pelo menos em parte, porque a asma
está se tornando cada vez mais grave.
Asma e atividades físicas
A associação da
asma com alergia e atopia forneceu um modelo a partir
do qual vários mecanismos fisiopatológicos
têm sido demonstrados. Os processos fisiopatológicos
subjacentes a essas reações têm
permitido compreender melhor as complexas interações
celulares dessa doença. Nesse sentido, a relação
entre atividade física e asma também
tem sido objeto de investigação em
várias pesquisas (2,3,5).
A asma é uma doença de evolução
crônica, que muitas vezes melhora na adolescência, mas isto nem sempre
ocorre, e a pessoa pode continuar a ter sintomas até a idade adulta ou
durante a vida toda. De qualquer forma, a asma se adequadamente tratada não
impede que o indivíduo pratique atividades físicas. A
pessoa asmática deve estar sob tratamento médico, pois a atividade
física não é tratamento de asma. Para poder participar das
aulas de educação física, treinos ou jogos deve-se estar
com a doença bem controlada. Às vezes, mesmo que esteja bem (sem
sintomas), uma atividade física intensa pode desencadear uma crise de
broncoespasmo (broncoespasmo induzido pelo exercício ou BIE) 5 a 15 minutos
após a realização da mesma.
O aparecimento de sintomas (tosse chiado e/ou falta de ar,
sensação aperto no peito) levam o asmático a evitar as atividades
físicas com receio de que possa ter uma crise de asma ou então
interromper suas atividades quando do aparecimento dos sintomas. Estas situações
acabam por criar um círculo vicioso de hipoatividade física e deteriorização
do condicionamento físico geral. No caso de crianças as atividades
físicas são essenciais, pois proporcionam experiências básicas
de movimento, importantes no seu desenvolvimento. Além disso, é através
das atividades físicas que as crianças relacionam-se entre si,
seja no brincar ou no engajamento em atividades esportivas, prevenindo o isolamento
psico-social e melhorando a auto-imagem e auto-confiança. Na adolescência,
as atividades esportivas são mais intensas e competitivas e o adolescente
asmático muitas vezes sente-se preterido, considerando-se erroneamente
menos capaz ou inferior. Este comportamento, acaba por levá-lo a evitar
as atividades físicas e os treinamentos, tornando-o finalmente menos apto.
Portanto, as atividades físicas devem ser incentivadas,
como fator de saúde para crianças e adolescentes asmáticos. É imprescindível
que os profissionais da área (professores, técnicos ou médicos
esportivos) saibam orientar e incentivar seus alunos/pacientes.
Broncoespasmo induzido pelo exercício (BIE)
Se por um lado as atividades físicas
são benéficas e têm sido recomendadas,
por outro lado podem ser provocadoras de broncoespasmo
induzido pelo exercício (BIE). As pesquisas
indicam que os exercícios físicos são
provocadores de BIE em 80 a 90% dos asmáticos
e em 40% dos atópicos (não asmáticos). Outros
estudos apontam a ocorrência de BIE em atletas
sendo a prevalência de 10% a 14%.
Os sintomas como tosse, dispnéia, aperto torácico
e chiado após exercícios, são característicos. Geralmente
professores de educação física e técnicos esportivos
confundem esses sintomas com baixa condição física. Nesse
sentido, para uma adequada orientação, é fundamental um
diagnóstico não só levantando a história quanto aos
sintomas citados, mas também quanto a outros problemas clínicos
associados, especialmente a rinite alérgica. Existem questionários,
validados e de fácil aplicação, que são excelentes
ferramentas para avaliação e detecção precoce do
BIE (8).
A resposta do asmático diante o exercício é diferente
do não asmático. Há de se compreender que nem todas as atividades
físicas provocam esse tipo de reação. Diferentes exercícios
em diferentes intensidades provocam diferentes magnitudes de crises. Os exercícios
podem ser classificados em mais asmagênicos (mais provocadores de crises)
como a corrida e menos asmagênicos como a natação por exemplo.
O exato mecanismo responsável pelo BIE é incerto, sendo que o resfriamento
e ressecamento das vias aéreas na atividade física parecem ser
os maiores responsáveis. Chama-se aqui a atenção para a
importância da respiração nasal durante as atividades físicas.
O BIE é caracterizado por uma queda de 10% a 15% no fluxo expiratório
máximo. Ocorre com a duração do exercício entre 6
e 8 minutos e intensidade de trabalho de aproximadamente dois terços do
consumo máximo de oxigênio (freqüência cardíaca
de 170 a 180/min para crianças) (7,8).
A resposta ao exercício aparece alguns minutos após
cessado o esforço e se reverte após aproximadamente 60 minutos.
Na maioria dos indivíduos o BIE consiste em uma única crise de
rápido início e recuperação. Alguns podem desenvolver
uma reação tardia (4 a 10 horas após o exercício).
Há medicamentos muito eficientes na prevenção do BIE, como
os beta 2 agonistas (broncodilatadores), cromoglicato dissódico ou nedocromil,
usados em aerossóis (sprays) 10 minutos antes das atividades físicas.
Estes últimos com menos efeitos colaterais (8,9).
Inúmeros fatores podem agravar o BIE como gravidade da asma, presença
de obstrução nasal, tipo e intensidade do exercício físico,
poluição atmosférica, temperatura e umidade ambiente,
assim como, associação a determinados produtos químicos
(medicamentos, conservantes, corantes, etc.).
A obstrução nasal agrava e intensifica o BIE
pela diminuição da capacidade de filtragem, pré-aquecimento
e pré-umidificação do ar inalado. Embora existam inúmeras
causas de obstrução de vias aéreas superiores, a mais comum
e tratável é a rinite alérgica.
No tratamento do BIE medidas farmacológicas e não
farmacológicas são recomendadas.
Na alternativa farmacológica o tratamento de escolha
tem sido os beta 2 agonistas, o cromoglicato e o nedocromil, que embora estes últimos
não sejam broncodilatadores mas inibem a liberação de mediadores
químicos dos mastócitos, protegendo também da reação
tardia ao exercício. A utilização de ambos é uma
combinação eficaz.
As estratégias não farmacológicas, que
poderíamos chamar de preventivas, incluem atividades físicas de
aquecimento de 10 a 15 minutos (a 50% do VO2 máx previsto para a idade),
não realizar atividades em ambientes agressivos (poluição,
presença de alérgenos, umidade, temperatura), evitar atividades
mais asmagênicas (corrida por exemplo) e restrição alimentar
(tipo do alimento e tempo de ingestão antes do exercício) (7,8,9).
Os estudos indicam que uma boa condição física,
onde ocorrem melhoras cardio-respiratórias e maior eficácia na
mecânica respiratória, traduzido por melhores fluxos expiratórios,
melhor ventilação pulmonar e conseqüentemente diminuição
do volume residual, minimiza os impactos do BIE dando maior tolerância
ao exercício físico, aumentando a capacidade de trabalho com menor
desconforto e broncoespasmo (6).
Canoagem e Asma
Para iniciar um programa de atividades
físicas recomenda-se procurar compreender
as funções orgânicas, principalmente
aquelas diretamente envolvidas no esforço
físico, de forma que o organismo trabalhe
para e não contra o indivíduo. Lembrando
que os asmáticos não podem ser considerados
um grupo homogêneo na sua aptidão física
inicial e nas suas reações fisiológicas
ao exercício e que há uma variação
importante em função das severidades
da doença.
As atividades físicas podem ser mais ou menos provocadoras
de broncoespasmo, sendo as variáveis tipo, intensidade e duração
do esforço determinantes do aparecimento e da gravidade das manifestações. Determinadas
atividades são mais fortes provocadoras como a corrida e o ciclismo, porem
não devem ser totalmente evitadas, e outras tem o menor potencial de desencadear
crises como a canoagem e a natação, que devem ser enfatizadas.
O equilíbrio e as combinações entre as atividades com suas
intensidades e durações são fundamentais, pois o asmático " sub-treinado" não
obtêm benefícios e o " super-treinamento" provoca efeitos
danosos.
A Canoagem é uma excelente atividade física para
os alunos/pacientes que sofrem de asma, seja como recreação e lazer
ou como esporte competitivo. A principal razão para a excelência
dessa atividade está na baixa asmagenicidade, ou seja, tem menor potencial
de induzir o broncoespasmo através do exercício.
Os estudos nessa área apontam que os mecanismos deste
efeito não estão totalmente esclarecidos, mas os trabalhos experimentais
realizados indicam os efeitos benéficos da alta umidade do ar inspirado
evitando assim um dos fortes provocadores do BIE, que é o ressecamento
das vias aéreas durante atividades intensas. Há uma película
de evaporação constante garantindo essa umidade. Não se
tem no caso da canoagem, o efeito prejudicial do reflexo do mergulho (estímulo
parassimpático), encontrado na natação, que é um
provocador de broncoespasmo. Outra vantagem é não haver a irritação
das vias aéreas causada pelo cloro, seus derivados e outros elementos
químicos usados no tratamento da água. Portanto
tem-se apenas o efeito benéfico da unidade do ar inspirado, sem os efeitos
indesejáveis. Aponta-se ainda mais uma vantagem que é o
fato de nas superfícies de evaporação dos espelhos d´água
ser menor a concentração de partículas inalantes em suspensão,
que são alérgenos potenciais e irritantes das vias aéreas.
Atividades físicas onde a maior concentração
de trabalho é em membros superiores e executadas com ritmo, de movimentos
e respiratório, são consideradas menos asmagênicas. Nesse
sentido nos movimentos simétricos e ritimados das remadas reside talvez
a principal vantagem da canoagem, pois são excelentes para promover eficiente
movimentação dos arcos costais e articulações costo-vertebrais,
proporcionando assim expansibilidade torácica e eficiência na mecânica
respiratória.
A simetria e o ritmo dos movimentos colocam o trabalho respiratório
também em ritmo regular.
A associação desses benefícios e vantagens
fazem da canoagem uma prática de excelência para asmáticos
e também para outros distúrbios da saúde que podem ser futuramente
abordados.
Prof°. Dr°. Luzimar Teixeira
Universidade de São Paulo - USP
Instituto Punin de Informação e Referência em Asma - INSPIRA