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Sex, 12/12/08 16:46

Comparação do chute no futebol entre duas categorias distintas utilizando coordenadas esféricas.

*Fabiano G. Teixeira, Paulo Roberto Pereira Santiago, Sergio A. Cunha
Departamento de Educação Física - I.B. - UNESP - Rio Claro

INTRODUÇÃO

    O futebol, devido sua popularidade mundial e o interesse por sua prática em todas as faixas etárias, tem sido bastante explorado através de investigações científicas durante os últimos tempos (PUTMAN, 1983; LEES e NOLAM, 1998). O futebol mundial é dividido em categorias (por exemplo: categorias sub-15, sub-17 e sub-20) de acordo com a FIFA (Federation Internationale Football Association), órgão máximo que organiza o futebol mundial e que utiliza apenas a idade cronológica como critério para a divisão destas categorias. No entanto os treinamentos dos fundamentos deste esporte, principalmente no Brasil, são basicamente os mesmos e não mudam com a mudança de categoria.
    Sabe-se que para a prática do futebol são necessários alguns fundamentos que, com o treinamento, vão evoluindo e aperfeiçoando-se. Segundo Lees e Nolam (1998) um destes fundamentos, considerado por muitos o mais importante e o mais estudado no futebol, é o chute. A análise dos dados do chute no futebol pode identificar padrões desse movimento, o nível de habilidade do atleta, além de comparar padrões de movimento em diferentes faixas etárias (categorias) e em diferentes tipos de chute.
    A Biomecânica tem contribuído nos estudos sobre o futebol através da Cinemetria, Dinamometria e Eletromiografia. O presente estudo aborda o chute no futebol e analisa suas variáveis de interesse através da cinemetria, conjuntos de métodos utilizados para medir os parâmetros cinemáticos do movimento (AMADIO 1996).
    Alguns estudos (PUTNAM, 1983; RODANO e TAVANA, 1993) apresentam a angulação e a velocidade angular das articulações dos membros inferiores durante a realização do chute. Levanon e Dapena (1998) mostraram as diferenças entre a latitude do vetor normal ao plano coxa-perna nos chutes com o peito do pé e o chute com a parte medial do pé.     Mais recentemente Teixeira, Magalhães Jr., Wisiak e Cunha (2003) compararam os valores de latitude em função do tempo do vetor ortonormal ao plano formado pelos segmentos coxa e perna em participantes com idades distintas. Já Cunha, Barros, Lima Filho e Brenzikofer (2002) descreveram uma metodologia para análise do padrão de movimento de chute utilizando coordenadas esféricas para indicar a posição dos membros inferiores, mostraram que os gráficos dos chutes da latitude em função da longitude podem ser mais bem compreendidos e que as análises utilizando estas duas variáveis (latitude e longitude) podem identificar melhor a conduta de cada segmento durante a realização do chute. Em outros trabalhos, o chute é investigado em relação ao seu desenvolvimento ao longo da vida (DAVIDS, LEES, e BURWITZ, 2000). Estas variáveis são de extrema importância para a compreensão deste fundamento no futebol. Sendo assim, este estudo teve como objetivo comparar os valores de latitude e longitude do vetor ortonormal ao plano formado pelos segmentos coxa e perna em participantes com 13 e 17 anos de idade.

MATERIAIS E MÉTODOS

    Para a realização deste trabalho foram filmados chutes de 14 participantes destros do sexo masculino, sendo 7 destes com idade de 13 anos e 7 com idade de 17 anos. Os participantes necessariamente deveriam ser praticantes regulares do futebol, ou seja, definidos como aqueles que treinam regularmente pelo menos duas vezes por semana.     Eles foram instruídos a respeito dos procedimentos a que seriam submetidos e seus responsáveis assinaram um termo de consentimento. Este estudo foi aprovado pela comissão de ética do Instituto de Biociências da Unesp - Campus de Rio Claro - e os participantes poderiam, sem restrições, deixá-lo a qualquer momento que necessitassem.
    Foi realizado um aquecimento prévio para evitar riscos de contusões. Após o aquecimento cada participante realizou 2 séries de 05 chutes com a bola parada, sendo que a mesma deveria passar por sobre uma barreira posicionada a 9.15 m da bola, simulando assim uma cobrança de falta de uma distância de vinte metros em direção ao gol. Foram colocados externamente marcadores de isopor medindo 2.5 cm de diâmetro nas articulações do quadril (trocanter maior), joelho (epicôndilo lateral do fêmur), tornozelo (maléolo lateral) definindo os segmentos coxa e perna. Para as filmagens, foram utilizadas 2 câmeras de vídeo digitais JVC, modelo GR-DVL 9800u, fixadas em tripés, as quais, foram ajustadas a uma freqüência de 120 Hz e posicionadas lateralmente ao movimento dos participantes. Elas focalizavam os marcadores passivos colocados no membro inferior dos participantes. Os chutes foram analisados a partir do instante em que o membro de chute foi retirado do solo até o instante em que o mesmo tocou a bola. Este período analisado foi apresentado em porcentagem, normalizando assim o ciclo de movimento (de 0 a 1). Cada chute foi dividido em duas fases: fase de apoio (vai da retirada do pé de chute do solo até o contato do calcanhar do pé de apoio com o solo) e fase de contato (vai do contato do calcanhar do pé de apoio com o solo até o contato do pé de chute com a bola). A transição de uma fase para a outra, foi de aproximadamente 55% (0.55) do ciclo do movimento. Antes de iniciar as filmagens das execuções dos chutes, foi colocado um calibrador possuindo 8 (oito) pontos com posições absolutas conhecidas em relação a um referencial de eixos cartesianos x, y e z. O sistema de referências utilizado foi determinado como o eixo y coincidindo com a vertical (orientado para cima), o eixo x em direção ao gol, formando uma linha imaginária ortogonal com a linha de fundo (orientado no ponto médio do gol), ortogonal ao eixo y e o eixo z definido pelo produto vetorial de x por y. Após as filmagens, as imagens foram capturadas e armazenadas no computador. Essas imagens foram medidas através do software Dvideow (BARROS, BRENZIOKOFER, LEITE e FIGUEROA 1999). As câmeras foram calibradas e, em seguida, foi realizada a reconstrução tridimensional, que consistiu na localização dos pontos marcados nos sujeitos no espaço tridimensional com as posições relativas no espaço (realizada também através do mesmo software) para a obtenção das coordenadas espaciais tridimensionais.
    Foi necessária a realização de uma suavização dos dados através da função spline cúbico, em rotina desenvolvida no software MATLAB®. Após a suavização dos dados, foram determinados os segmentos (vetores) coxa e perna. Estes segmentos foram normalizados (transformados em tamanho unitário) e, em seguida, determinou-se o vetor ortonormal (veort) ao plano gerado por estes dois vetores, através do produto vetorial entre eles. Assim, a orientação do plano coxa-perna foi expressa em coordenadas esféricas (latitude e longitude) do vetor ortonormal ao mesmo.

Latitude: F = arcsen (Y veort) * 180 /p (- 90º < F < 90º)
Longitude: q = arctan (X veort / Z veort) *180/ p (- 180º < q < 180º)

    Foi encontrada a mediana de cada conjunto de curvas para cada instante de tempo e seu respectivo intervalo de confiança através de rotina desenvolvida no software S-PLUS®. O gráfico da mediana em função do ciclo de movimento e o intervalo de confiança dos dois grupos foram analisados, obtendo assim os resultados que seguem. A semelhança ou diferença nos padrões foi determinada através da interposição dos intervalos de confiança entre os grupos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

    A ação do chute é dominada por trocas na orientação do plano coxa-perna e através da movimentação destes segmentos (LEVANON e DAPENA 1998). A latitude descreveu o ângulo entre o vetor ortonormal (formado pelo plano coxa-perna) e a orientação vertical (Y), já a longitude deste mesmo vetor utilizou a relação da orientação horizontal (X / Z) do sistema de referências adotado.
Foram obtidas 70 curvas da latitude e 70 da longitude do vetor ortonormal ao plano coxa-perna para cada grupo. Em seguida foi obtida a mediana para cada instante de tempo em ambos os grupos com seus respectivos intervalos de confiança.

FIGURA I

    A figura acima mostra a mediana da latitude do vetor ortonormal ao plano formado pelos segmentos coxa e perna com seus respectivos intervalos de confiança em função do ciclo de movimento dos grupos de chutes dos sujeitos de 13 e de 17 anos. Segundo Levanon e Dapena (1998). Pode-se observar na figura 1 um padrão parecido do comportamento das curvas durante todo o ciclo de movimento. Tanto os sujeitos de 13 anos como os sujeitos de 17 anos iniciam o chute com os valores da latitude próximos a - 20º. Estes valores diminuem até próximo a transição de fase, passando por 0º (onde o plano coxa-perna encontra-se na vertical) e chegando a valores negativos. Em seguida começam a aumentar, chegando a valores próximos aos iniciais. No momento anterior ao contato do pé com a bola ocorre a movimentação do joelho para frente enquanto a coxa realiza rotação externa para o toque na bola com a parte medial do pé, observando-se um decréscimo acentuado da latitude finalizado com o contato do pé de chute com a bola. Com isto, foi observado que as curvas estão pouco separadas na fase de apoio: apenas de 0 a 3% e 52 a 53% do ciclo de movimento, ou seja, uma separação insignificante se levar em consideração o pequeno tempo do movimento. Nos demais intervalos foi observado um mesmo padrão no comportamento do vetor ortonormal, ou seja, nesta fase não houve separação das curvas nestes intervalos quando comparados os sujeitos de 17 anos com os de 13 anos. Já na fase de contato as curvas apresentam separação de 52 a 84 % e de 91 a 100% ciclo de movimento, ou seja, uma separação bem maior se comparada com a fase de apoio. Isto mostra diferenças na finalização do movimento, apesar de visualmente apresentarem-se parecidas.
Teixeira et al. (2003) comparando sujeitos de 13 e 20 anos encontraram pequenas diferenças durante todo o movimento, no entanto pode-se observar que as maiores diferenças aconteceram também no final do movimento (91% a 100 % do ciclo de movimento). Com isto podemos afirmar que os sujeitos de 13 anos finalizam o movimento de maneira "mais inclinada" que os sujeitos de 17 anos, ou seja, o plano coxa-perna do grupo de 17 anos encontra-se mais distante da posição vertical do que o outro grupo.


FIGURA 2


    A figura 2 mostra a mediana da longitude do vetor ortonormal ao plano formado pelos segmentos coxa e perna com seus respectivos intervalos de confiança em função do ciclo de movimento dos grupos de chutes dos sujeitos de 13 e de 17 anos. Pode-se observar ainda um padrão parecido do comportamento das curvas durante todo o ciclo de movimento. Os valores de ambos os grupos iniciam-se próximo a 140º e continuam com valores próximos a este até aproximadamente 75% do ciclo de movimento, ou seja, o plano coxa perna não sofre grandes modificações em relação à longitude neste período. Apesar do plano apresentar mudanças nos valores da latitude deste vetor, os valores da longitude permanecem constantes. Em seguida, na finalização do movimento, estes valores diminuem drasticamente até o contato do pé com a bola, ou seja, ocorrem mudanças no plano em relação à longitude apenas no final do movimento, quando ocorre o inicio da extensão da perna para o contato do pé de chute com a bola. Na fase de apoio não ocorreram grandes diferenças entre os grupos, ou seja, as curvas não estão separadas. No entanto, na fase de contato as curvas apresentaram-se separadas entre 71% e 100% do ciclo de movimento, ou seja, apresentaram padrões diferentes no final do movimento .
    Apesar de não comparar os chutes entre faixas etárias, Levanon e Dapena (1998) verificaram padrões diferentes de latitude e de longitude do vetor normal ao plano coxa-perna indicando diferenças claras entre dois tipos de chute, mostrando assim, que este tipo de comparação, utilizando latitude de um vetor normal ao plano de interesse, é uma ótima ferramenta para verificar as diferenças, por exemplo, entre os padrões de diferentes tipos de chute, ou de diferentes faixas etárias.


CONCLUSÃO

    Concluiu-se então que o comportamento do vetor ortonormal ao plano coxa-perna de todos os chutes, analisados através da mediana da latitude destes chutes e seus respectivos intervalos de confiança, em todos os sujeitos, apresentou um padrão semelhante durante a fase de apoio. No entanto foram observados padrões diferentes nos intervalos de 56 a 84% e de 91 a 100% do ciclo de movimento, na fase de contato. Nos demais intervalos do ciclo, o padrão de ambos os grupos foi o mesmo. Já o comportamento do vetor analisado através da mediana da longitude apresentou mesmo padrão na fase de apoio, mas padrões diferentes no final do movimento (71% a 100% do ciclo de movimento).
    Assim, pode-se verificar que as diferenças entre os padrões definidos pela latitude e longitude do vetor ortonormal ao plano coxa-perna apresenta distinções insignificantes na fase de apoio, e diferenças maiores no final do movimento (fase de contato) entre os participantes com idades de 13 e de 17 anos. Como os dois grupos realizam os experimentos utilizando o mesmo tipo de chute, as diferenças em função da idade não são muito grandes. Desta forma, pode-se afirmar que os padrões dos movimentos do chute entre essas idades são os mesmos na fase de apoio.     Já na fase de contato pode-se afirmar que o padrão de chute foi diferente entre os dois grupos devido à separação das curvas ocorrida no final da fase de contato.

REFERÊNCIAS
- AMADIO, A. C. Fundamentos biomecânicos para análise do movimento humano. São Paulo: Laboratório de Biomecânica/EEUSP, 1996.
- BARROS, R. M. L.; BRENZIOKOFER, R.; LEITE, N, J.; FIGUEROA, P. Desenvolvimento e avaliação de um sistema para análise cinemática tridimensional de movimentos humanos. Revista Brasileira de Engenharia Biomédica. RJ. V.15, n.1/2, 1999, p.79-86.
- CUNHA, S.A.; BARROS, R.; LIMA FILHO, E. C.; BRENZIKOFER, R. Methodology for graphical analysis of soccer kick using spherical coordenates of the lower limb. In: SPINKS, W. (Ed.). Science and football IV. London: Routledge, 2002, p.8-15.
- DAVIDS, K.; LEES A.; BURWITZ, L. Understanding and measuring coordination and control in kicking skills in soccer: Implications for talent identification and skill acquisition. Journal of Sports Sciences, v.18, p.703-714, 2000.
- LEES, A., NOLAN, L. The biomechanics of soccer: a review. Journal of Sports Sciences, v. 16, n. 4, 1998, p.211-34 .
- LEVANON, J.; DAPENA, J. Comparasion of the kinematics of the full-instep and pass kicks in soccer. Journal of Sports Sciences, v. 30, n.6, 1998, p. 917-27.
- PUTMAN, C. A. Interaction between segments during a kicking motion. In: MATSUI, H.;KOBAYASHI, K. (Ed.). Biomechanics VIII -B H. Champaign: Human Kinetics, 1983, p.695-700.
-RODANO, R.; TAVANA, R. Three dimensional analysis of the instep kick in professional soccer players. In: REILLY, T.; CLARYS, J.; A. STRIBBE, A. (Ed.). Science and football II. London: E&FN Spon, 1993, p.357-361.
- TEIXEIRA , F. G., MAGALHÃES Jr, W. J., WISIAK, M., CUNHA, S. A., Análise do chute no futebol em duas idades distintas através das coordenadas esféricas. . In: CONGRESSO BRASILEIRO DE BIOMECÂNICA, n.10, 2003 Ouro Preto. Anais… V.I, Ouro Preto- MG, p.160-3, 2003.

FIGURAS
FIGURA 1

Figura 1 - Gráfico das medianas da latitude do vetor ortonormal do conjunto de chutes dos sujeitos de 13 e 17 anos com seus respectivos intervalos de confiança em função do ciclo de movimento.


FIGURA 2


Figura 2 - Gráfico das medianas da longitude do vetor ortonormal do conjunto de chutes dos sujeitos de 13 e 17 anos com seus respectivos intervalos de confiança em função do ciclo de movimento.


Artigo publicado
TEIXEIRA, F.G., SANTIAGO, P.R.P, CUNHA, S. A. Comparação do chute entre duas categorias distintas utilizando coordenadas esféricas. Revista Brasileira de Biomecânica. p. 57-61, São Paulo 2003.


*Prof. Ms. Fabiano Gomes Teixeira
Bacharel em Educação Física -UNESP-Rio Claro-SP;
Mestre em Ciência da Motricidade Humana -UNESP-Rio Claro.
Labio - Laboratório de Análise Biomecânicas
Dep. Educação Física - UNESP - Rio Claro -SP

 

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